DESCRIÇÃO
“Gentil assombro” é um título curioso. Primeiro, por unir duas palavras aparentemente tão distantes. “Gentil” faz pensar numa mão deslizando no ar, dando passagem, “por favor, depois de você, faço questão”. Já “assombro” é reflexo que faz cair o queixo. O título traz uma estranheza ainda maior, contudo, do que a distância entre os termos: nestes tempos bicudos, tanto a generosidade dos pequenos atos quanto a capacidade de se espantar pareciam ter desaparecido, solapadas pela truculência e pela burrice. Pareciam, mas este belo álbum do João Camarero prova que não. Entre mortos e feridos, de mãos dadas, a gentileza e o assombro se levantam, sacodem a poeira e dão a volta por cima.
Ouvi o João Camarero tocar pela primeira vez no fim de 2020. A vocês do futuro, que porventura pegarem este disco ou derem com o encarte na internet, no metaverso ou em qualquer outra gororoba tecnológica em que estivermos imersos, relembro brevemente o que se passava.
Quarentenados em casa por conta de um vírus, tínhamos a impressão de assistir ao colapso do país. Mais dia, menos dia, parecia, ateariam fogo à última árvore da Amazônia com a derradeira partitura do Villa-Lobos. Era como se toda a fé nas possibilidades de uma nação que, apesar de tudo, tinha produzido faróis feito Pixinguinha e Machado de Assis, Cartola e Ariano Suassuna, Sinhô, Donga, Garoto, João Pernambuco, Guimarães Rosa e Turíbio Santos fosse conversa pra boi dormir.
Foi aí que eu ouvi o João Camarero. Pegou o violão, sentou num banquinho com sua coluna reta de concertista erudito e pensei que fosse tocar, sei lá, Bach. Então começou e eu me dei conta, comovido, de que era choro. Música brasileira. Essa mistura tão auspiciosa de África com Europa e um quê Ameríndio – pois onde baixa Exu também baixa Caboclo. Geleia real daquele outro Brasil que poderia ter sido e não foi – ainda? Apurei o ouvido, ergui a cabeça e ouvi o violão dizendo, “amigo, enquanto não chegar o apito ou juízo final, dá pra virar esse jogo”. Não é possível um país que produziu este disco estar fadado ao fracasso.
FAIXAS
1. Um choro breve – Paulinho da Viola
2. Dança brasileira – Radamés Gnattali
3. Homenagem a Arnaldo Neves – Paulinho da Viola
4. Pequenas Valsas Sentimentais #3 – João Camarero
5. Pequenas Valsas Sentimentais #5 – Gentil Assombro – João Camarero
6. Articulado – Sergio Assad
7. Scherzino Mexicano – Manuel Ponce
8. Danza del Corregidor – Manuel de Falla
9. Romance del Pescador – Manuel de Falla
10. Cancion del Fuego Fatuo – Manuel de Falla
CRÉDITOS
Idealização: GuitarCoop
Gravado em: Fazenda Boa Vista
Data: 08 e 09/09/2021
Textos: Antonio Prata
Tradução: David Molina
Produtor de gravação: Ricardo Dias
Edição: João Camarero
Engenheiro de áudio: Ricardo Marui
Mixagem/Masterização: Ricardo Marui
Design Gráfico: Maikon Nery
Foto: Gil Inoue
Violão: Sergio Abreu 2020
Cordas: Augustine Regal/Blue
Microfones: DPA 2006, Royer SF 24, Neumann KM 184
Conversor: Metric Halo LIO-8
Pré-amplificador: Millennia HV3-D
SOBRE JOÃO CAMARERO
Natural de Ribeirão Preto, João Camarero nasceu em 1990 e foi criado em Avaré, também no interior de São Paulo. Estudou no Conservatório de Tatuí, em seu estado natal, e na Escola Portátil de Música, no Rio de Janeiro, onde trabalhou como monitor e professor.
Como violonista, acompanhou em palcos ou estúdios artistas como Yamandu Costa, Mônica Salmaso, Leny Andrade, Fágner, Paulinho da Viola e Maria Bethânia, com quem gravou o álbum “Noturno” (2021) e duas participações em homenagens a Aldir Blanc e Hermínio Bello de Carvalho, nas faixas “Palácio de lágrimas” (Aldir Blanc/Moacyr Luz) e “Cobras e lagartos” (Sueli Costa/Hermínio Bello de Carvalho), respectivamente.
No âmbito da composição, já escreveu músicas com Cristóvão Bastos, Moacyr Luz, Roberto Didio e Paulo César Pinheiro, entre outros. É vencedor dos prêmios MIMO Instrumental (2015) e do Concurso Novas–3 (2016), e integra o grupo Regional Imperial e o Conjunto Época de Ouro, que acompanhava Jacob do Bandolim, no qual assume a posição de Dino 7 Cordas, um de seus ídolos no instrumento.
Em sua carreira solo, publicou os discos “João Camarero” (2014), “Vento brando” (2019) e, agora, prepara o lançamento de “Gentil assombro”. Pela gravadora Biscoito Fino, gravou os singles “Concertante No.3” e “Balada para Martin Fierro”, ambas em 2020, e “Valsa de cinema” (2021), parceria com Renato Braz e Roberto Didio. Além de diversas cidades Brasil afora, já se apresentou em importantes salas de concerto em países como EUA, Japão, Coreia do Sul, França, Alemanha, Itália, Holanda, Inglaterra, Bélgica e Áustria.
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