Por Gilson Antunes e Alessandro Soares
Nicanor Teixeira é um dos mais festejados compositores da Bahia, tendo ainda em vida o merecido reconhecimento e a consideração dos violonistas. Sua obra é cada vez mais tocada e reverberada por estudantes e músicos profissionais, o que o transformou num dos grandes nomes do violão brasileiro. E com direito a homenagens, como a oferecida pelo também violonista baiano Fred Schneider, que compôs Onde Andará Nicanor?, gravada pelo parceiro Luís Carlos Barbieri.
A música mais conhecida de Nicanor talvez seja o choro Carioca nº 1, dedicado à violonista portenha Maria Luisa Anido, e lançada por Turíbio Santos. Mas a assinatura musical de Nicanor abrange imensa variedade de estilos. Passa pelo choro carioca e a seresta (como na valsa Olhos que Choram), a forte influência da música clássica (a exemplo do ciclo Concertante, a suíte Pequenas Paisagens, dividida em quatro movimentos), e o universo do Nordeste (Procissão, João Benta no Forró e Te Enxerga, Muié).
Filho de Floriano Teixeira e Amélia Batista de Oliveira Teixeira, Nicanor de Araújo Teixeira é o quinto filho de sete irmãos. Foi na terra natal - Barra do Mendes, interior da Bahia - que a musicalidade aflorou, pois cresceu ouvindo cantorias e acompanhamentos de viola, que lhe deixaram marcas profundas nas futuras composições, como Mariquinha Duas Covas.
Primeiro professor
Aos 9 anos ganhou do pai um cavaquinho, no qual aprendeu rapidamente os primeiros passos do instrumento. Três anos depois, ganhou um violão, quando passou a ter aulas com o lavrador e violonista amador Roberto Sátiro.
Em meados de 1941 começou a se apresentar em público, ao lado de músicos como Almerindo Guedes (saxofone), Antônio Martins (violão) e o sanfoneiro João Benta, natural de Cafarnaum – que iria inspirá-lo na já citada João Benta no Forró. Com Antônio Martins, começou a estudar o Método Para Violão, de Américo Jacomino. Quando a família conseguiu comprar um rádio, passou a conhecer e admirar o violonista Rogério Guimarães. Em 1943, aos 15 anos, compôs a primeira música: Choro na Cidade da Barra.
Alistamento no Rio
Em 1948 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se alistou no exército, cujo terceiro sargento do quartel era ninguém menos que o sambista Nelson Sargento. No ano seguinte, Nicanor Teixeira começou a trabalhar numa loja de roupas, onde permaneceu por cinco anos.
Em 1950 conheceu Dilermando Reis, com quem participou de aulas coletivas até 1954. Com esse mestre estudou pelos métodos de Carcassi; fez exercícios de técnica; e tocou composições de Tarrega – entre outras lições. Em 1952 participou do programa de calouros de Ary Barroso, no qual conseguiu boas notas e, por tabela, ganhou boa quantia em dinheiro.
Dilermando, Rebello e Jodacil
Pouco antes de encerrar o período de aulas com Dilermando, conheceu um dos principais nomes do violão clássico carioca, Antonio Rebello, e um de seus melhores discípulos, Jodacil Damaceno. Nessa época também ouviu pela primeira vez os discos de Andrés Segovia.
Em 1955 largou o emprego no comércio e passou a se dedicar apenas à música. Primeiramente, ensinou no Conservatório Musical Rio de Janeiro, depois no Instituto Brasileiro de Cultura e Música (IBCM) e na filial Laranjeiras do Conservatório Brasileiro de Música.
Turíbio, Cáceres e Hermínio
O círculo de amigos de Nicanor Teixeira na área do violão clássico foi então aumentado cada vez mais. Conheceu Turíbio Santos, Oscar Cáceres (de quem chegou a usar um terno emprestado para dar recital), Maria Luisa Anido e Hermínio Bello de Carvalho, que os apresentou a músicos como Zé Ketti, Clementina de Jesus, Ismael Silva e Aracy de Almeida, entre outros.
Em seguida, passou a ensinar apenas na Casa Carlos Wehrs – período em que teve problema no dedo indicador da mão direita, o que o obrigou a voltar a trabalhar no comércio entre 1964 e 1973. Mesmo assim, continuou a manter laços de amizade com muitos músicos, entre os quais Othon Salleiro, de quem Nicanor transcreveu várias canções.
Após sair do emprego no comércio, Nicanor Teixeira voltou a ensinar e a dar recitais com seus alunos, especialmente na Academia Brasileira de Imprensa. Também tocou com Sérgio de Pinna no Instituto Brasileiro de Administração Municipal, em 1976.
Primeiro disco
Em 1977 gravou, num período dois meses, de maneira independente, o elogiado LP O Violão Brasileiro de Nicanor Teixeira, no qual Hermínio Bello de Carvalho e Turíbio Santos escreveram as notas de capa. O lado A tem obras próprias, além de outras compostas por João Pernambuco e Dilermando Reis em duo com Décio Arapiraca. O lado B apresenta novamente obras próprias, e mais composições de Eduardo Ramos e a Berceuse, de Othon Salleiro.
Em 1985 foi procurado pelo violonista Nicolas de Souza Barros, que lhe pediu aulas de interpretação da música brasileira e de choro. Esse músico tocava no Quarteto Carioca de Violões, conjunto que marcou época na história do violão brasileiro, e que, infelizmente, não deixou registrado nenhum disco da fase áurea que atravessou, entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990. Entre os grandes nomes que passaram pelo Quarteto Carioca estiveram Werner Aguiar e Carlos Alberto de Carvalho, entre vários outros.
(Maria Haro e Nicanor Teixeira em 1995)
Maria Haro
Em 1993 a violonista – também integrante do Quarteto Carioca de Violões – Maria Haro escreveu dissertação de mestrado sobre a vida e obra de Nicanor Teixeira, ajudando a divulgar o nome do ompositor para um maior número de pessoas.
Maria Haro costuma interpretar obras de Nicanor Teixeira em recitais de forma primorosa, sempre contando histórias a respeito do compositor. Além disso, gravou o CD Fina Flor, com nada menos que 35 obras desse grande violonista. O disco teve grande repercussão, com lançamentos no Rio de Janeiro, São Paulo – no Seminário Internacional de Violão Vital Medeiros – e em outros locais, recebendo textos elogiosos de nomes como Sérgio Abreu, Jodacil Damaceno, Ricardo Tacuchian e Turíbio Santos. Isso demonstra o quanto o atual reconhecimento musical de Nicanor Teixeira se deve, em grande parte, graças à amizade e aos esforços de Maria Haro.
Tributo
Em 2000 foi lançado o CD Nicanor Teixeira por 28 Grandes Intérpretes, o qual reuniu quatro diferentes gerações de violonistas interpretam obras do grande mestre: entre eles Alexandre Gismonti, Guinga e Jodacil Damaceno. Nicanor Teixeira, que vive atualmente em Jacarepaguá, no Rio, é um violonista que uniu gerações de violonistas. Para Turíbio Santos, ele é o sucessor de João Pernambuco e Dilermando Reis, pelo porte e qualidade das músicas que compôs. Opiniões elogiosas desse tipo são comuns quando se fala da obra desse grande compositor e violonista brasileiro, o que atesta a preservação da obra desse mestre para a posteridade.
Em 2021, o Acervo Violão Brasileiro produziu uma live histórica com Nicanor Teixeira, com participação de Maria Haro, Nicolas de Souza Barros, Luis Carlos Barbieri, Paulão 7 Cordas, Vera de Andrade, Flávia Prando, Afonso Machado e Ricardo Dias, além de depoimentos de Turíbio Santos e Sergio Abreu, numa baita celebração ao querido mestre.
Referências bibliográficas:
HARO, Maria Jesus Fábregas. Nicanor Teixeira: A Música de um Violonista-Compositor Brasileiro. Dissertação de Mestrado. UFRJ. 1993.
Discografia:
Nicanor Teixeira: O Violão Brasileiro de Nicanor Teixeira (Independente, 1977).
Maria Haro. Fina Flor – Maria Haro interpreta Nicanor Teixeira (Independente, 2007)
Vários intérpretes: Nicanor Teixeira por 28 Grandes Intérpretes (Rob Digital, 2000)
Musicografia de Nicanor Teixeira (1943-1993)
(Fonte: Maria Haro)
Choro na Cidade na Barra (1943)
Carioca 3 (Choro em Sol Menor) (1944)
Olhos que Choram (1953)
Filigrama (Fragmentos de Choro) (1954)
Velha Lembrança (1956)
Carioca n.1 (1957)
Estudo n.2 (1957)
Prelúdio em Si Menor (Prelúdio Romântico) (1960)
Estudo n.3 (1961)
Estudo Brilhante (1961)
Ponteio n.1 (1963)
Ponteio n.2 (1963)
Suite n.2 (1963-1968)
Cantiga.2 (1966)
Prelúdio n.1 (1966)
Prelúdio n.2 (1966)
Prelúdio n.3 (1966)
Carioca n.2 (1968)
Lamento do Cantador Nordestino (1974)
Valsinha Romântica n.1 (1978)
Pequena Fantasia e Variação (1979)
Pequena Modinha (1983)
Valsinha Romântica n.2 (1985)
Mariquinha Duas Covas (Batuque) (1986)
João Benta no Forró (Sanfoneiro de Cafarnaum) (1987)
Porque Sim (1987)
Procissão (1987)
Tudo Que For Necessário (1987)
Memórias de um Reisado (1987)
Suite Pequenas Paisagens (1988)
Nossa Canção (Elegias) (1988)
Eu Vou Me Amasiá (1989)
Saga (1989)
Romaria de Bom Jesus da Lapa (1990)
Autorretrato (1990)
Concertante 1 (1990)
Concertante 2 (1990)
Canção Tema (1993)