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Marcos Alan

Nascimento: 23/01/1956

Falecimento: 10/04/1973

Natural de: Nova Iguaçu (RJ)

Marcos Alan dos Reis José, o menino prodígio da Baixada Fluminense, foi também um compositor arrojado. Sua contribuição para o repertório do violão ainda está sendo descoberto.
Marcos Alan

Por Sérgio Ribeiro

Nascido em 23 de janeiro de 1956, em Mesquita, bairro, até então, pertencente à cidade de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, aprendeu a ler com três anos de idade. Aos 8 anos, resolveu aprender a tocar violão. Seu pai, Manoel, que já havia ensinado alguns de seus irmãos, deu-lhe também as primeiras instruções. Antes de completar 11 anos, com pouco mais de dois anos sob a orientação do pai, Marcos já havia progredido extraordinariamente, demonstrando uma facilidade incomum. Evandro, o primogênito da família, passou então a contribuir com a carreira do irmão e logo conseguiu levá-lo a programas de auditório da época.

Seu irmão foi também quem o levou ao estúdio de Jodacil Damaceno, que não costumava aceitar crianças em suas classes. Segundo o próprio professor, ao ouvir Marcos tocar, percebeu que “valia a pena arriscar” (CORREIO DA MANHÃ, 1971). Anos depois, Damaceno deu o seguinte depoimento sobre seu aluno: Marcos foi um aluno muito especial. Seu talento e seu poder de percepção eram extraordinariamente incríveis. Quando lhe recomendava um melhor fraseado, parecia que lia meu pensamento e o realizava melhor do que o havia sugerido. Suas possibilidades técnicas eram fantásticas. Quando, numa peça ou outra surgiam um problema de tal ordem e eu lhe sugeria um exercício específico para solucionar o problema, o resultado era imediato. Acompanhei de perto, mais do que ninguém, sua evolução auditiva e sua percepção harmônica. Com pouco tempo de trabalho era capaz de perceber os graus tonais e modulações de qualquer obra, por mais complexa que fosse. Sua leitura e sua memória eram excepcionais. Era capaz de decorar uma obra após a segunda leitura, para não exagerar (DAMACENO, 1997; informação verbal).

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Damaceno também o levou à casa do professor Elpídio Pereira de Faria, com quem estudou contraponto e composição durante quatro anos, desenvolvendo “sua veia de compositor, ainda que precocemente” (CORREIO DA MANHÃ, 1971). Sobre a ocasião, Jodacil Damaceno relata:

Me lembro bem, quando pedi ao professor Elpídio para nos dar aula de composição, lá na rua Pereira da Silva. No espaço de dois ou três meses, eu mal podia criar o sujeito e o contrassujeito de uma fuga e o Marcos já havia terminado uma fuga inteira. Chamei o professor e lhe disse: “De hoje em diante você se ocupará somente do Marcos, pois eu somente irei lhe atrapalhar” (DAMACENO, 1997; informação verbal).

Marcos Alan fez aulas esporádicas com outro grande nome do violão brasileiro, o concertista Turíbio Santos, nos cursos de férias de interpretação e técnica de violão que aconteceram no Conservatório Brasileiro de Música, de 1969 a 1971.

Em julho de 1968, Marcos venceu seu primeiro concurso de violão, o I Festival de Violão da Guanabara, organizado pelo Instituto Villa-Lobos e realizado no Teatro Arena, em Copacabana. Na ocasião, o menino recebeu como prêmio um violão Do Sotto (Figura 1), que lhe acompanhou por toda sua trajetória, e foi convidado a dar concertos remunerados no Conservatório Brasileiro de Música e na Sala Cecília Meirelles.

(Marcos Alan, 12 anos, e seu novo violão Do Sotto. Matéria sobre a premiação “Rei do Violão” do I Festival de Violão da Guanabara, na imprensa - GAZETA DE NOTÍCIAS, 1968).

O certame que mais deu visibilidade a Marcos Alan foi o Concurso Internacional de Violão Villa-Lobos, realizado pelo Museu Villa-Lobos na Sala Cecília Meireles, em 1971. Tratava-se do maior concurso de violão realizado, até então, na América Latina, prestigiado, inclusive, por Andrés Segóvia, que doou 250 dólares para serem somados à maior premiação – além de ter enviado um dos seus alunos para concorrer. O júri era formado por Francisco Mignone, Oscar Cárceres, Alírio Dias, Abel Carlevaro, Turíbio Santos, José Maria Fontova, Mariuccia Lacovino e Eurico Nogueira França (presidente da banca). O concurso reuniu candidatos do Canadá, México, Equador, Hungria, EUA, Itália, Argentina e Brasil. Muitos dos brasileiros que participaram, hoje, são músicos reconhecidos, como é o caso de Geraldo Ribeiro, Luis Gonzaga da Silva, Pedro Cameron e Sebastião Tapajós, além do próprio Marcos Alan.

Marcos passou para a grande final do concurso ao lado dos argentinos Guillermo Fierens e Eduardo Corces, que aconteceu às 21h, no dia 22 de novembro de 1971. Na ocasião, todos tocaram o Concerto para Violão e Orquestra, de Villa-Lobos, acompanhados pela Orquestra de Câmara da Rádio MEC. Uma matéria publicada pelo jornal Correio da Manhã sob o título Marcos Alan, 15 anos, um bom violonista nos aproxima daquela noite:

Foi um dos mais belos momentos da música erudita no Brasil dos últimos tempos. Era a noite decisiva do Concurso Internacional de Violão, promovido pelo Museu VillaLobos, e os refletores da Sala Cecília Meireles (...) foram acesos para iluminar a figura de um menino muito magro e baixo para quinze anos. Muito moreno e de cabelos bem crespos cortados baixo, ele mora em Mesquita e se chama Marcos Alan dos Reis. Abraçado a seu violão, sozinho no palco da sala de concertos, o menino tem a sua natural timidez bastante acentuada. Olha um pouco espantado a orquestra à sua frente e, depois, senta-se na sua banqueta. De repente, o menino se transfigura em um virtuose. A plateia, a princípio desconfiada, ouve agora, entre surpreendida e deslumbrada, o poder mágico dos dedos do menino na execução do Concerto para Violão e Orquestra, de Villa-Lobos.

[...] É a hora da escolha. O júri, depois de ouvir todos os candidatos, recolheu-se para decidir. A resposta vem em pouco tempo. O menino pobre de Mesquita, que um dia ousou sonhar em ser um concertista, um grande músico, por meio ponto, tirou o segundo lugar. O vencedor foi o argentino Guillermo Fierens, considerado já pela crítica internacional como um excelente executante. (FRANÇA, 1971)

As interpretações dos dois primeiros colocados foram tão boas que dividiu o júri. Fierens terminou com 130 pontos, enquanto Marcos ficou com 129,5 e Corces, em terceiro, recebeu 98 pontos. A diferença de apenas meio ponto entre o argentino e o brasileiro gerou desconforto na banca. O Jornal do Brasil, do dia 23 de novembro, conta que:

Depois da contagem dos pontos, Turíbio Santos, Oscar Cárceres e Abel Carlevaro queriam que fosse declarado um empate entre os dois primeiros colocados, pois acharam que a diferença de pontos era muito pequena. Turíbio chegou até a propor que se ouvisse a gravação de novo, mas o regulamento prevaleceu. (JORNAL DO BRASIL, 1971)

Turíbio Santos apresenta uma versão diferente sobre a ocasião: Nada mais constrangedor do que ficarmos impotentes diante de uma injustiça. Foi o que aconteceu no traumático “Concurso Internacional de Violão Villa-Lobos” em 1971, na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro. Marcos Alan, no alto de seus quinze anos de idade, dominava tranquilamente o concurso, e todos nós estávamos certos da sua vitória. Na realidade, a vitória naquele momento, seria a primeira de uma série estrondosa, pois o jovem músico era um fenômeno total, como intérprete e compositor, com uma maturidade que só os desígnios misteriosos da vida explicam. Na leitura dos resultados, uma bomba! O violonista que deveria ser o segundo colocado apareceu como primeiro na lista. A reação dos jurados e do público foi de fúria diante daquela afronta. Pediu-se a recontagem dos pontos e a abertura dos votos secretos. E veio à tona, para espanto se todos, o voto do compatriota argentino do primeiro colocado. Ele dera dez ao seu conterrâneo e zero ao fabuloso Marcos. Apesar da furiosa grita, Arminda Villa-Lobos, nada pode fazer. O regulamento do concurso não previa um comportamento tão crapuloso e imoral como o desse jurado. (SANTOS, 2009)

O compatriota de Guillermo Fierens, ao qual Turíbio se refere, é José Maria Fontova. Para Marcos Alan o que importou foi a repercussão deste concurso, que permanece até hoje no imaginário coletivo do violão carioca. Sua interpretação do Concerto para Violão e Orquestra de Villa-Lobos no concurso internacional, ao lado da Orquestra de Câmara da Rádio MEC regida por Mário Tavares, foi registrada e divulgada (Exemplo musical 1).

 

Marcos Alan compositor

Desde os primeiros recitais, ainda com 10 anos de idade, Marcos já transbordava criatividade e demonstrava uma predisposição para expandir repertório, incluindo em seus programas arranjos de música popular.

Marcos Alan não era apenas um virtuose do instrumento, era um adolescente que demonstrava uma maturidade incomum, um estudioso das obras de J. S. Bach, conhecedor de Wagner como poucos, admirador de compositores provavelmente desconhecidos para a maioria dos jovens de sua idade – como Johannes Brahms, Arnold Schoenberg, Heitor Villa-Lobos, Ernest Widmer, Marlos Nobre, Manuel María Ponce e Leo Brouwer.

Marcos compôs peças para diferentes formações, apropriando-se de diferentes linguagens, como os sistemas de organização modal, politonal, serial e o atonalismo livre; o contraponto e a forma do estilo barroco; a sonoridade impressionista; e a textura pontilhista da música do século XX. O Prelúdio (Exemplo musical 2) é um ótimo exemplo da capacidade de Marcos de sintetizar algumas dessas diferentes correntes criativas.

Contudo, com base em documentos pessoais de Marcos e jornais da época, percebemos que o próprio compositor chegou a tocar em seus concertos apenas duas de suas composições: o Prelúdio e Fuga (1972) e o Prelúdio, Ária e Fughetta (1969). Ou seja, Marcos não chegou a descobrir o impacto de sua própria obra, desfrutando apenas do seu sucesso como intérprete.

Morte

A vida da família desmoronaria em abril de 1972. Naquele mês, Marcos foi internado na Cruz Vermelha no Rio de Janeiro, onde permaneceu por quinze dias. Foi liberado em uma sexta-feira, aproveitando seus últimos momentos em casa, com a recepção de familiares e amigos. Na segunda-feira seguinte, Marcos voltou para o hospital em estado grave, falecendo no dia 10 de abril de 1973, segurando as mãos do seu amigo Ian Guest.

Marcos recebeu homenagens póstumas. No V Seminário Internacional de Violão de Porto Alegre, em 1973, por exemplo, o violonista argentino Roberto Aussel, foi premiado com o “Troféu Marcos Alan”, por ter vencido o concurso na categoria concertista daquela adição. Já em 1986, a câmara municipal de Nilópolis resolveu que se denominasse “Marcos Alan” uma das ruas da cidade. Mas a homenagem de maior representatividade talvez tenha sido a do mestre uruguaio Abel Carlevaro, a saber, uma dedicatória a Marcos Alan em uma de suas obras, como conta o próprio pedagogo do violão na carta emocionada destinada à família de Marcos:

Impressão duradoura, uma bela aula de arte. De minha parte o Segundo Estudo da  Série de Homenagem a H. Villa-Lobos será dedicado à sua memória e eu gostaria de  oferecer uma recordação quando viajar a Porto Alegre este ano, em memória de Marcos Alan. Meus mais sinceros pêsames para você, sua mãe e seus familiares.

 

Referências

CORREIO DA MANHÃ. Marcos Alan, 15 anos, um bom violonista. Rio de janeiro,

02/12/1971 – Ano – LXXI – N º 24.124. S/A. Disponível em

http://memoria.bn.br/DOCREADER/DocReader.aspx?bib=089842_08&PagFis=26593 Acesso em: Mar. 2015.

DAMACENO, Jodacil. Marcos Alan: depoimento [1997]. Depoimento prestado em evento in memoriam de Marcos Alan. Niterói, 1997 [Acervo Marcos Alan].

FRANÇA, Eurico Nogueira. Terminou com sucesso Concurso de Violão. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, terça-feira, 23/11/1971, 1º caderno, p. 3.

GAZETA DE NOTÍCIAS. Marcos “rei do violão”. Rio, domingo, 8 e segunda feira, 9 de setembro de 1968, il.

JORNAL DO BRASIL. Argentino vence concurso de violão e brasileiro de 15 anos fica em segundo. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: terça feira, 23/11/1971, 1º caderno.

SANTOS, Turíbio. Encarte de Marcos Alan – Violão. Independente 18007. 2009.

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