por GILSON ANTUNES
Uma figura importantíssima na história do violão brasileiro, Jodacil Caetano Damaceno nasceu em Vargem do Mundo, Rio de Janeiro. Professor da Faculdade de Música Augusta Souza França e da Universidade Federal de Uberlândia (Minas Gerais) durante vários anos, formou alguns dos melhores violonistas da atualidade.
Tornou-se também um dos maiores divulgadores do violão clássico brasileiro no exterior, apresentando recitais em diversos países estrangeiros principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Seu nome inspira respeito entre violonistas de todo o Brasil, que o veem como uma pessoa digna e um professor dedicado – e é um dos poucos concertistas brasileiros a ter sido objeto de uma dissertação de mestrado que veio também a ser publicada.
Filho de João Caetano Damaceno e de Zulmira Silva Damaceno, cresceu numa família em que não havia músicos. Os primeiros contatos com a música ocorreram por meio dos hinos da igreja. Em 1942, a família mudou-se para o Rio de Janeiro, onde teve contato com o canto orfeônico. Desde cedo se intereressou pelo violão que ouvia por intermédio do namorado de uma tia e do programa radiofônico de Dilermando Reis, Sua Majestade o Violão.
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Método Paraguassu
O primeiro violão foi comprado em conjunto com um amigo, tendo estudado inicialmente pelo método de Paraguassu. Entre 1947 e 1969, trabalhou na empresa de navegação Serviços Marítimos Camuyrano S.A., ao lado de Hermínio Bello de Carvalho, que também era escritor e teria um papel importante tanto na vida de Jodacil Damaceno quanto de outro grande violonista, Turíbio Santos.
Quando completou 21 anos de idade, iniciou seus estudos de violão com José Augusto de Freitas, um importante violonista que já havia composto algumas boas obras para violão e gravados discos que hoje são históricos, tendo sido aluno de Agustin Barrios e Quincas Laranjeiras. Jodacil estudou com Freitas pelo Método de Violão de Matteo Carcassi, utilizando cordas de aço, assim como seu professor havia aprendido com Barrios.
Rebello e ABV
Em 1952 Damaceno conheceu Antonio Rebello, avô dos irmãos Sérgio e Eduardo Abreu, iniciando assim seus estudos com esse professor – com cordas de nylon - aulas estas que se seguiriam até 1960. O contexto de 1952 era favorável ao violão, pois foi quando foi fundada no Rio de Janeiro a ABV (Associação Brasileira de Violão), que promoveu recitais de grandes nomes do instrumento no Rio de Janeiro, como Abel Fleury, Maria Luiza Anido, Carlos Collet, José Carrión, Narciso Yepes, Manuel Lopez Ramos, Griselda Ponce de Leon e Avena de Castro.
Em 1954, Jodacil Damaceno começou a estudar matérias teóricas com Florência Almeida de Lima (que seria professor dos irmãos Abreu anos depois). Entre 1955 e 1957 cursou as disciplinas de harmonia e morfologia na Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro, sem, no entanto, obter credencial porque não havia a cadeira de violão nessa instituição. Esse fato marcante fez o músico trabalhar visando reverter tal situação.
Programas de rádio
Em 1956, o violonista se apresentou num programa radiofônico chamado Conversando com Waldemar Henrique. Participou ainda de outros programas na Rádio Globo, Rádio Ministério da Educação e Rádio Jornal do Brasil. Do repertório constavam obras de Bach, Tárrega, Sávio, Tansman, e outros.
No ano seguinte, Narciso Yepes se apresentou no Rio de Janeiro, devido ao sucesso do filme Brinquedo Proibido, de René Clement, interpretando entre outras obras o Romance de Amor, de autor anônimo. Jodacil Damaceno aproveitou a ocasião e recebeu orientações sobre técnica e interpretação do violonista espanhol.
Nesse mesmo período conheceu Heitor Villa-Lobos numa palestra no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, época em que também estavam Turíbio Santos e Hermínio Bello de Carvalho. As palavras de Villa-Lobos lhe abriram novas perspectivas a respeito da interpretação de suas músicas.
Monina Távora
A partir de 1958, por intermédio de Antonio Rebello, passou a estudar com Monina Távora, ex-aluna de Andrés Segovia e que se tornaria mais conhecida posteriormente como professora dos irmãos Abreu e dos irmãos Sérgio e Odair Assad. Nessa época o violonista teve sua primeira experiência discográfica ao participar de um LP de Luiz Bonfá, Alta Versatilidade.
Em 1960, sagrou-se vencedor do I Concurso Fluminense de Violão, e mereceu do jornal carioca Última Hora a seguinte manchete: ´Herói do Primeiro Concurso de Violão´. Com esse prêmio, realizou vários recitais importantes, inclusive em São Paulo. No ano seguinte, a convite de Oscar Cáceres, realizou recital em Montevidéu, no Uruguai.
Maria Luisa Anido
Jodacil Damaceno fez várias apresentações tocando solo ou em música de câmara, com o violonista Léo Soares e a cantora Cristina Maristani. Também manteve contatos com a argentina Maria Luisa Anido, que chegou a se hospedar em na casa do violonista durante um mês.
Em 1962, Jodacil Damaceno foi assistente e, depois, diretor do programa de rádio Violão de Ontem e de Hoje, que havia sido iniciado por Hermínio Bello de Carvalho - essa atração radiofônica marcou época na história do violão no Rio de Janeiro.
Dois anos depois, excursionou pela Argentina e Uruguai, patrocinado pelo Itamaraty. Participou, em 1965, da gravação de um LP de Waltel Branco, quando tocou em duo algumas cirandas de Villa-Lobos, como Assim Ninava Mamãe, O Cravo e a Rosa e Vamos Todos Cirandar. Em seguida participou de um espetáculo em homenagem ao poeta Manoel Bandeira, fazendo fundo musical para suas poesias.
Em 1967, participou do programa Concertos para a Juventude, da Rádio Ministério da Educação, e televisionado pela Rede Globo. No repertório estavam, os Concertos em Lá Maior e em Ré Maior, de Antonio Vivaldi. Nesse mesmo ano gravou, com a soprano Ludna Biesek, e a pedido de Arminda Villa-Lobos, os 5 Prelúdios e algumas outras canções de Heitor Villa-Lobos.
Escola própria
Jodacil Damaceno fundou a própria escola de música em 1969: o Curso Livre de Violão Jodacil Damaceno, o que possibilitou deixar de vez o emprego na empresa de navegação na qual trabalhava.
Na década de 1970 o violonista participou como professor e intérprete de importantes festivais de violão, como o III Seminário Internacional de Violão de Porto Alegre, promovido pelo Liceu Palestrina (1971), ao lado de violonistas como Abel Carlevaro, Graciela Pomponio Zarate e o Duo Abreu. Em 1972, voltou a participar do IV Seminário Internacional, como professor, ao lado de Miguel Angel Girolet, Jorge Martinez Zarate, Horácio Ceballos e Abel Carlevaro, entre outros.
Paris
Neste mesmo ano, Jodacil Damaceno se mudou para Paris a convite de Turibio Santos. Na capital francesa lecionou em alguns conservatórios como o Conservatoire Municipal du Luxembourg, Conservatoire du Saint Cloud, Conservatoire de Xème Arrondissement e outros, além de fundar a Academia de Guitarra Les Amis de L´Orchestre de Chambre de Paris. O violonista ficou apenas um ano na França, voltando ao Brasil no ano seguinte para ensinar na Faculdade de Música Augusta Souza França (FAMASF) – um os primeiros cursos superiores de violão no Brasil.
Entre os principais alunos de violão clássico que já haviam estudado com Jodacil Damaceno, podem ser citados Marcos Alan, João Pedro Borges, Leo Soares, Carlos Alberto de Carvalho, Graça Alan, Antonio Argolo, João Argolo e Marcelo Kayath, entre vários outros. Na área popular, foram seus alunos Jards Macalé, Vital Farias, Almir Chediak, Hélio Delmiro, Marlui Miranda e Guinga (que, apesar de se julgar autodidata, foi também aluno desse mestre).
Uberlândia
Em 1982, Jodacil Damaceno começou suas atividades na Universidade Federal de Uberlândia, efetivando-se no ano seguinte. Nessa cidade o violonista se apresentou também em diversos recitais e eventos, além de continuar as atividades como professor. Entre seus alunos estiveram, entre vários outros, André Campos Machado e Sandra Mara Alfonso, autora de excelente dissertação de mestrado sobre o mestre, publicada pela Editora da UFU (Universidade Federal de Uberlândia). Também fez parte do Duo de Violões da dessa instituição acadêmica, ao lado de Newton Fernandes. Permaneceu nessa cidade até completar 70 anos, quando se aposentou compulsoriamente.
Na década de 1990 e no início deste século, o professor e violonista continuou dando recitais, foi jurado de concursos, e lecionou em festivais como o XXVI Festival de Inverno de Campos do Jordão e o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga, em Juiz de Fora (Minas Gerais).
Em dezembro de 2006 o Departamento de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Uberlândia realizou o I Seminário e Concurso de Violão Jodacil Damaceno. Com a participação de nomes como Gustavo Costa, Maurício Orosco e de outros concertistas, fez jus ao nome do grande mestre. O genial Jodacil Damaceno morreu em 18 de novembro de 2010 e deixou um dos maiores legados para o violão no Brasil.
Bibliografia:
- ALFONSO, Sandra Mara. Jodacil Damasceno uma referência na trajetória do violão no Brasil. Dissertação de Mestrado. UFU. 2005.
- ALFONSO, Sandra Mara. O Violão – da Marginalidade à Academia. Trajetória de Jodacil Damaceno. Uberlândia. EDUFU. 2009.
Discografia
- Jodacil Damaceno (violão) e Ludna Biesek (canto): Prelúdios e Canções de Villa-Lobos (Disco Classic, 1967)
- Jodacil Damaceno e Newton Fernandes (duo de violões): Populares Clássicos, Clássicos Populares (Original Records, 2001)
- Luiz Bonfá: Alta Versatilidade (Odeon)
- Vários Artistas: Nicanor Teixeira por 18 Grandes Intérpretes (Rob Digital, 2001)
-Waltel Branco: Recital (CBS, 1965)