por JORGE CARVALHO MELLO
O caminho usual de se conhecer a obra de Codó é por meio de Tim Dom Dom, que fez enorme sucesso no primeiro disco de Jorge Ben, Samba Esquema Novo. A música também foi gravada por João Donato e por Sérgio Mendes, LP Sergio Mendes, Brasil 66. Outra maneira de ter acesso ao violonista, mesmo que indiretamente, é pelo tema Um Abraço no Codó, que Baden Powell escreveu em homenagem ao amigo.
O legado de Codó, no entanto, vai bem mais além. O texto publicado na contracapa do disco Alma do Mar resume a trajetória poética e musical do compositor baiano: “Nas noites de pescaria, eu e meus companheiros de barco, éramos obrigados muitas vezes a esperar a hora da maré. Eram horas que a natureza reservava para que pudéssemos descansar. Os meus camaradas dormiam e enquanto isso eu dedilhava meu violão, tocando para o céu e mar”.
Filho de Paulo de Brito e de Carolina Arcanjo de Brito, Clodoaldo Brito, ou simplesmente Codó, nasceu em Cairu de Salinas das Margaridas. Teve infância pobre, o que o obrigou a ser eclético, e trabalhar, para sobreviver, em várias profissionais: pescador (principalmente), lavrador, e, mais tarde, comerciante.
Enquanto não trabalhava, nas horas vagas, já demonstrava grande interesse por música. A ponto de construir o próprio violão aos 15 anos. Tratava-se de instrumento rudimentar, feito com tábuas de caixotes e cordas de piaçaba, mas isso pouco importava – o realmente digno de nota era o fato de que essa iniciativa provava o vivo amor que o jovem sentia pelo instrumento e o desejo incontrolável de querer aprender logo a tocá-lo.
Trocar vaca por violão
Mas esse rudimentar instrumento não o aquietou. De acordo com relato da filha do violonista baiano, Marilena Mascarenhas Brito, mais conhecida como Leninha, Codó soube que um homem vendia um violão numa cidade próxima. Foi até lá. Mas percebeu com tristeza: as pequenas reservas financeiras que levara não eram suficientes para adquirir o instrumento. Raciocínio rápido, o garoto fez ao homem a seguinte proposta: trocar o violão pela vaca leiteira do quintal de casa. A troca foi aceita – agora só faltava o consentimento do pai.
Leninha relembra: “Voltando para casa, Codó sugeriu ao pai que trocasse a vaca leiteira da família pelo violão. Meu avô, no início, resistiu à ideia. Mas, para realizar o sonho do filho, acabou cedendo”.
Depois de conseguir trocar a vaca leiteira do pai pelo primeiro violão, agora faltava o principal: aprender realmente a tocar violão – até então fazia isso de ouvido, improvisadamente. Codó continuou autodidata, mas agora se aplicava aos estudos por meio do Método de Violão Prático de Américo Jacomino (Canhoto), emprestado por um amigo. O aprendizado frutificou: um pouco depois, em 1930, compôs nesse violão a primeira música: Minha Primeira Valsa.
Capoeirista em Salvador
Já dominando plenamente o instrumento, Codó rumou para Salvador. Ágil e esperto, inventou duas formas para sobreviver na então desconhecida capital baiana: passou a se apresentar no Mercado Modelo e, ao mesmo tempo, comercializava os produtos produzido no quintal: azeite de dendê, farinha de mesa, beju, doces em compotas, castanhas de caju, licor de caju e de jenipapo, etc.
Codó também jogava bem capoeira e não demorou a fazer fama como capoeirista – tanto no Mercado Modelo como na Feira de Sete Portas, bem ao lado da Baixa dos Sapateiros. Foi exatamente neste lugar que conheceu Antonina (Zinha) Figueiredo Borges Mascarenhas, com quem se casou e teve 10 filhos.
Já casado, passa a morar definitivamente em Salvador, onde começa a ganhar fama, a ponto de ser convidado para se apresentar no então luxuoso Hotel da Bahia e, também, a tocar na Rádio Sociedade da Bahia, na qual ficou por longo tempo, até se mudar para o Rio de Janeiro nos anos 1960.
Na rádio
Nessa temporada da rádio, Codó fez grandes amizades. Aproximou-se de Dorival Caymmi, cujo contato foi interrompido pois o grande compositor baiano se mudaria logo depois, em abril de 1938, para o Rio de Janeiro.
Todos os grandes cantores nacionais que passaram na Bahia foram acompanhados por Codó, como Sílvio Caldas, Moreira da Silva, Vicente Celestino, Dircinha Batista, Nora Ney, Ciro Monteiro, Dalva de Oliveira e Elizeth Cardoso. E ficaram encantados com o jeito de ele tocar.
Codó tinha um fã que ia vê-lo tocar sempre que possível. Ele entrava em silêncio no auditório da Rádio Sociedade da Bahia, sentava sempre na primeira fila, e o ouvia em respeitoso. Quem? Ninguém menos que João Gilberto.
A partir dos anos 1950, as composições de Codó começam a ser gravadas por vários intérpretes. Em 1954, a cantora Araci da Costa gravou a música Iaiá da Bahia Chegou, classificada como baião-macumba, feita em parceria com João Mello. No ano seguinte, a cantora, atriz e cineasta Vanja Orico gravou Berimbau, classificada como capoeira, feita em parceria com J L Paiva Matos – tal canção, mais conhecida como Zum Zum Zum, Capoeira Mata Um) fez grande sucesso à época.
Em 1958 Gilvan Chaves gravou o baião feito em parceria com João Mello, intitulado Fiquei na Bahia – mas Cadô não ficou. O ano de 1963 foi quando Jorge Ben incluiu Tim Dom Dom, no primeiro disco, Samba Esquema Novo. Em 1966, a música foi gravada nos Estados Unidos por Sérgio Mendes, no LP Sergio Mendes, Brasil 66, obtendo também grande êxito.
Primeiro LP
Já sendo então bem conhecido no Rio de Janeiro, Codó troca Salvador pela capital carioca e se muda com a família – já não conseguia controlar a questão dos direitos autorais estando longe da capital da música brasileira. Finalmente, em 1964, pouco mais de trinta anos passados desde que compôs a primeira música, lança LP de estreia: Alma do Mar - O Violão de Codó.
O disco tinha 12 composições exclusivamente de Codó, com exceção de Tim Dom Dom, em parceria com João Mello. Entre as canções encontra-se Um abraço no Baden, que retribuiu a delicadeza do amigo com a composição Um abraço no Codó. (No LP Vim Para Ficar, de 1970, encontra-se a faixa Badinho, outra homenagem de Codó para Baden Powell).
Em 1967 lança o LP Codó e o Mar, primeiro disco pela RGE, no qual mescla composições próprias com as dos filhos Antônio e Claudio. Dois anos depois lança um novo long-play: Um Violão muito Bom, Modéstia à Parte, e, em 1970 e1973, outros dois: Vim Para Ficar e Brincando com as Cordas.
Com Ismael Silva
Em 1973 foi convidado por Ricardo Cravo Albin para participar do show Se Você Jurar, em homenagem a Ismael Silva e Carmen Costa, que percorre todo o sul do pais. A temporada é encerrada no Rio de Janeiro, no Teatro Sesi, onde permanece em cartaz por um mês.
Ainda nesse mesmo ano, realiza primeiro show solo: com a participação de quatro dos filhos e de alguns amigos, se apresentou no Teatro Casagrande com o show Iaiá da Bahia, nome da primeira composição que gravou (e que foi feita em 1951 para um filme argentino chamado Maria Madalena). A estreia ocorreu em 13 de dezembro, e as apresentações se estenderam, com grande sucesso, até o dia 23.
Novos discos
Em 1978 e 1979 surgem mais dois discos: Codó e o violão e Coisas da Minha Terra. No segundo reuniu legião de craques: Wilson das Neves (bateria), Luizão Maia (baixo), Dino 7 Cordas, Neco (guitarra e cavaquinho), Deo Ryan (bandolim), Jorginho do Pandeiro, Paulo Moura (clarinete), Sivuca (sanfona), Copinha (flauta), Hamilton (piston) e Netinho (sax).
Em 1982, Codó fez temporada na Sala Funarte, no Rio de Janeiro, ao lado de Nelson Cavaquinho. No ano seguinte, na mesma sala, em outubro, apresenta-se com Raul de Barros.
O último trabalho que lançou foi o LP Codó - Volume 1 da Série Música Brasileira, lançado em 1984. Codó chegou a ver as provas do material gráfico e a ouvir as faixas do LP, mas morreu de infarto no miocárdio em Niterói, no dia 26 de janeiro de 1984, ou seja, antes que o LP fosse lançado.
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