Por Flávia Prando
Atílio Bernardini começou seus estudos tocando bandolim aos 11 anos e posteriormente, aos 15 anos, passou a tocar violão. Aos 18 anos, começou a estudar violino com o professor Camilo Sangiovanni. Em 1917, ingressou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, tendo como professores Savino de Benedictis e Agostinho Cantú.
Iniciou sua carreira como professor, em 1924, e foi o primeiro músico em São Paulo a publicar métodos para violão de maneira sistemática. Com o pseudônimo de Tabajara, publicou um método prático, O Batuta - Método prático para aprender violão sem mestre (Casas Manon s.d.); em 1927, publicou o Ensaios de Harmonia e Violão (Tabajara e Souza, 1927), misto de compêndio de lições de harmonia e de método prático para o instrumento.
O método foi publicado com seu nome, mas com o pseudônimo entre parênteses, o que pode ser indício do sucesso do método prático publicado anteriormente. Pelo índice dos conteúdos, pode-se ter uma ideia do avanço que o método representou, “preenchendo uma lacuna”, como disseram seus pares. Foi o primeiro método a apresentar as noções de tônica, dominante e subdominante, além de trazer notação em pentagrama, conteúdos e explicações teóricas sobre harmonia. Em edição do autor, o compêndio deve ter tido boa circulação.
O exemplar abaixo, de número 362, está localizado no acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno (UFRJ). Destaca-se a informação de que a edição teve tiragem de mil exemplares, todos assinados pelo autor e que o presente exemplar, pertencente à Biblioteca Alberto Nepomuceno (UFRJ) é de número 362. Pelo índice, é possível notar que o conteúdo sobre harmonia é bastante detalhado, sobretudo em comparação com outros métodos do período.
Fonte: Biblioteca Alberto Nepomuceno (UFRJ).
Tratava-se de um método único até aquele momento, representando um grande avanço, pois possibilitava o aprendizado da harmonia, sem necessidade de leitura de partitura, de maneira prática, mas não esquemática como nos métodos práticos tradicionais. Este foi talvez o primeiro método de harmonia aplicado ao violão do país, seguramente pioneiro em São Paulo. O método foi bem recebido pelos pares, que assim se manifestaram:
Opiniões dos principais representantes da alta Escola de Violão em São Paulo
São Paulo, 16 de agosto de 1927.
Ilmo. Sr. Atílio Bernardini
Saudações
Li, com particular interesse, seu precioso e muito útil trabalho intitulado “Ensaios de Harmonia e Violão”. E, confesso, com toda franqueza e sinceridade, que é o livro mais perfeito e mais completo que vi surgir em o nosso meio violonístico. Só me resta felicitá-lo e pedir que torne o seu método vulgarizado, de maneira que chegue ao conhecimento e alcance daqueles que desejam aprender, e − porque não dizer − daqueles que necessitem aperfeiçoar seus conhecimentos de harmonia ao violão?... Eu o aconselho aos meus discípulos em geral e recomendo-o aos meus colegas. É o que penso de seu precioso e útil trabalho.
Com estima e apreço,
OSWALDO SOARES.
São Paulo, 29 de agosto de 1927.
Amigo e Sr. Atílio Bernardini
Li com prazer, o 1º volume do método para violão que o sr. pretende dar publicidade. Posso-lhe afirmar que, de todos os métodos práticos que me tem vindo às mãos, foi este o que mais me satisfez. Contém o 1º volume matéria mais que suficiente para um amador que, estudando convenientemente, e, não conhecendo música, venha a tocar com certo desembaraço. Os acordes estão muito bem encadeados, de maneira a despertar no aluno o gosto pela harmonia. Recomenda-se, pois, o seu trabalho às pessoas que queiram estudar o violão praticamente. Queira aceitar, com os meus parabéns, a expressão do mais alto apreço.
Do admirador e amigo,
JOÃO AVELINO DE CAMARGO
São Paulo, 8 de setembro de 1927.
Ilmo. Sr. Prof. A. Bernardini.
Saudações,
Com vivo interesse examinei seu método “Ensaios de Harmonia e Violão”, para o qual senti o dever de felicitá-lo, não só pela inteligente composição, como também pela habilidade com que vem preenchendo a lacuna de há muito tempo existente entre nós, e especialmente, entre os amadores desse instrumento. Considerando-a uma obra de real valor faço votos para que seja coroado do melhor êxito.
Com a mais sincera consideração,
ARISTODEMO PISTORESI
São Paulo, 15 de setembro de 1927.
Tendo examinado com muito cuidado o trabalho do prof. A. Bernardini, intitulado “Ensaios de Harmonia e Violão”, achei-o muito bom e que, além de preencher uma lacuna neste modo de ensinar, vem satisfazer ao fim visado. Claramente distribuído em lições como está, será muito fácil, a qualquer amador que queira dedicar-se ao estudo prático do violão, conseguir, em pouco tempo, o conhecimento não só do instrumento, como também dos acordes e sua qualificação, que é a parte mais importante deste livro cuja parte harmônica foi tratada pelo autor com rara felicidade, pois que desta forma qualquer amador poderá aprender um pequeno curso de harmonia complementar e prático, relativo ao instrumento. Não vacilo em afirmar, que, entre os métodos para se aprender o violão sem mestre, ocupe este o primeiro lugar e que terá naturalmente uma simpática aceitação.
AMADEO RUSSO (prof. de Harmonia)[1].
Mais tarde Bernardini publicou também um dos primeiros métodos de violão “por música” do país, o Lições Preparatórias, a Nova Técnica do Violão, baseado na Escola de Tárrega (1938), método editado até os dias de hoje (Irmãos Vitale).
Bernardini deixou extensa obra para o instrumento, boa parte de caráter didático. São peças que continuam a ser bastante utilizadas no ensino do instrumento, como as valsas Irma e Rosinha. Atílio Bernardini representou uma referência para o circuito do violão da época, atraindo muitos músicos populares interessados em aprofundar técnica e repertório, criando em torno de si as condições para a formação de uma escola, mesmo que informal, do instrumento. “A música e a técnica estiveram sempre integradas no universo dos chorões. O método de Bernardini, organizado para iniciantes do violão, desenvolve exercícios de técnica pura que são seguidos de aplicação prática, em lições escritas na forma de pequenas peças”[2].
Nesse intenso trabalho metódico e pedagógico, Bernardini foi responsável também pela edição de obras de compositores contemporâneos, violonistas e não violonistas. Realizou arranjos, adaptações e revisões. Revisou e publicou o choro Cruzeiro, de Theotonio Correa e a gavota Edith, de Avelino Camargo, na década de 1930, o que aponta para a formação de uma rede com os violonistas da geração ligeiramente anterior.
Bernardini também fez adaptações para violão de peças do compositor paulistano Francisco Mignone (1897-1986), aproximando o violão da produção contemporânea para outros instrumentos. Para criar seus métodos didáticos, além de composições próprias, ele compilou peças de inúmeros autores para diversos níveis de aprendizado do violão, ampliando o acesso ao repertório do instrumento.
Bernardini não foi um concertista, foi um didata. Profissionalmente, tocava violino nos cinemas e contrabaixo nas improvisadas orquestras da cidade. Sua atuação, embora sempre citada como pioneira na cidade, ainda não recebeu uma atenção individualizada. Trata-se de mais um caso em que ainda não houve compilação, catalogação e reavaliação da obra.
Certamente as atividades de Bernadini aqueceram o rarefeito universo de edição e comercialização de partituras para o violão. Deveu-se a ele a construção das condições que possibilitaram o apuro da técnica no instrumento e o aprendizado dos fundamentos teóricos musicais que muitos músicos práticos utilizaram na elaboração do repertório para o violão.
Vários instrumentistas paulistanos, entre eles os violonistas Aníbal Augusto Sardinha (Garoto), José Alves da Silva (Aimoré), Milton Nunes, Alfredo Scupinari, Edgar Mello e Ronoel Simões, foram alunos de Bernardini.
A relação abaixo de obras de Atílio Bernardini foi retirada da dissertação de mestrado do professor Giacomo Bartoloni:
- Mágoas (1ª edição), 1931, (2ª edição), 1934, Del
Vecchio, São Paulo, (3ª edição), 1940, (4ª edição),
1945, Vitale, São Paulo, 2p.
- Dança dos Tangarás, 24/06/1939, ms, 2p.
- Choro nº 1, 1945, Vitale, São Paulo, 2p.
- Violeta, 1945, São Paulo, 2p.
- Cacique, 1945, Vitale, São Paulo, 2p.
- Traidora, 1953, ms, 1p.
- Bobagem, sd, ms, 2p.
- Um a Um, sd, ms, 1p.
- Estudo em Mi menor, 06/09/1939, ms, 2p.
- Branco e Preto (4 violões), jun./1942, ms, 4p.
- Renúncia, 1942, ep, 2p.
- Canção Antiga, 1945, Vitale, São Paulo, 1p.
- Sempre Viva, 1945, Vitale, São Paulo, 1p.
- Estudo Rítmico, 1945, Vitale, São Paulo, 2p.
- Excelcior (4 violões), abr. 1953, ms, 4p.
- Na Praia, 1970, São Paulo, 2p.
- Dueto Mozarteano (dois violões) sd, ms, 2p.
- Prelúdio, sd, ms, 2p.
- Para você, sd, ms, 2p.
- Método, 1938, Vitale, São Paulo, 22p.
- 5 peças para violão, 1945, Vitale, 5p.:
* Rosinha
* Aurora
* Célia
* Irma
* Duque
- Conto Oriental (violão solo e versão do autor para quarteto de violões - abr/1944), 1945, Vitale, São Paulo, 2p.
- Jota Aragonesa, 1945, Vitale, São Paulo, 2p.
- Arrulho (2 violões), sd, ms, 2p.
BIBLIOGRAFIA
BARTOLONI, Giacomo. O violão na cidade de São Paulo no período de 1900 a 1950. 1995. Dissertação (Mestrado em Música) − Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, São Paulo, 1995.
DELNERI, Celso Tenório. O violão de Garoto. A escrita e o estilo violonístico de Aníbal Augusto Sardinha. Tese (Doutorado em Musicologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
[1] Texto publicado na contracapa do Ensaios de Harmonia e Violão (1927).