por GILSON ANTUNES
Américo Jacomino, o Canhoto, é uma lenda do violão brasileiro. Foi o iniciador definitivo da profissão de concertista no país, ao tocar, portar-se e apresentar-se como violonista profissional em várias localidades brasileiras. Gravou – solo, com seu grupo ou acompanhando cantores – mais discos do que todos os outros violonistas seus contemporâneos, até a data de sua morte. Inspirou diversos violonistas-compositores, desde Mozart Bicalho, Dilermando Reis e Garoto até Baden Powell, Geraldo Ribeiro e Vitor Garbelotto.
Se a história do violão instrumental no Brasil possui pelo menos duas vertentes bem definidas (a do violonista-compositor voltado à música popular e a do violonista com formação e repertório clássico), Canhoto pode ser considerado um dos primeiros representantes da primeira vertente, que teria seu auge em Baden Powell (com seu trabalho de compositor, arranjador e intérprete, basicamente o mesmo que Canhoto havia feito algumas décadas antes) e continuação em Toquinho, Raphael Rabello e Alessandro Penezzi (que gravaram ou tocaram obras de Jacomino).
Ao mesmo tempo, é comum ouvir obras de Canhoto interpretadas por violonistas de formação clássica como Paulo Porto Alegre, Elodie Bouny, Edson Lopes e Flávio Apro. Violonistas amadores também sempre interpretaram músicas como Marcha dos Marinheiros e Arrependida, especialmente em cidades do interior do Brasil. Numa busca rápida no youtube e outros websites de vídeos musicais é possível encontrar inúmeros exemplos que vão desde profissionais até amadores tocando suas obras.
Canhoto é sem dúvida um dos responsáveis pela divulgação do violão, desde as camadas mais simples da população até as principais salas de concerto, e um dos que mais ajudaram no reconhecimento e valorização do violão no Brasil, tanto em termos de crítica quanto de público.
Família
Nascido em São Paulo em 1889, filho de imigrantes napolitanos, Américo Jacomino teve como pai Crescêncio Jacomino e como mãe Vicencia Carpello. Autodidata, aprendeu violão escondido do pai – que não queria que ele se dedicasse ao instrumento – vendo Ernesto, o irmão mais velho, tocar. Por aprender escondido e pelo fato de ser canhoto, teve que aprender de um modo inusitado: tocava violão de maneira canhota, mas sem inverter as cordas. Daí veio o apelido que o marcaria para sempre.
Seus primeiros empregos foram como pintor de painéis e como jornaleiro. Com o dinheiro, conseguiu comprar o primeiro violão. Em 1904, fez sua primeira apresentação e em seguida conheceu em uma seresta o cantor Roque Ricciardi, o Paraguaçu, que seria seu amigo e companheiro musical por toda a vida. Após a morte dos pais (1908 e 1913), teve que se sustentar exclusivamente por meio da música.
Em 1912 gravou seu primeiro disco, pela gravadora Odeon. A partir daí não deixaria mais de gravar e de se apresentar em público, recebendo fama e reconhecimento crescente de público e crítica.
Em 1916 apresentou-se no auditório sagrado da música clássica paulista, o Salão Nobre do Conservatório Dramático e Musical, no centro da capital. Com uma apresentação bem organizada, que teve abertura de outros músicos e palestra sobre a história do violão escrita por um jornalista e apresentada por um poeta, Canhoto ganharia definitivamente o reconhecimento da crítica musical paulistana, que era extremamente rígida em relação a recitais de violão até então. Isso lhe abriu as portas para várias outras apresentações em todo o Brasil.
Mesmo sendo o recital no mesmo dia da apresentação da dançaria Isadora Duncan no vizinho Teatro Municipal de São Paulo, o recital de Canhoto estava lotado. No ano seguinte tocariam em São Paulo e outras localidades brasileiras o paraguaio Agustin Barrios e a espanhola Josefina Robledo, fechando assim o tripé necessário para o desenvolvimento do violão instrumental em São Paulo, com ecos por todo o Brasil.
Principais músicas
Em 1917 compôs suas três principais músicas: a valsa Abismo de Rosas (chamada inicialmente Acordes do Violão), a Marcha Triunfal Brasileira (que provém de outra de suas composições, o dobrado Campos Salles) e a Marcha dos Marinheiros.
Em 1919 montou um dos primeiros conjuntos de música caipira, ao lado de um ator cômico que encarnava o personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, e de uma cantora mirim. O trio Viterbo-Abigail-Canhoto terminaria de maneira trágica em 1920 com o assassinato de Viterbo de Azevedo durante uma turnê do trio em Poços de Caldas (Minas Gerais).
Durante a década de 1920, Canhoto apresentou-se em vários recitais pelo interior de São Paulo e do Brasil, e numa dessa apresentações em Itapetininga conheceu sua futura esposa, Maria Vieira de Moraes, filha do chefe político da cidade. Após o casamento, o casal muda-se para a cidade de São Carlos, no interior paulista, onde Canhoto funda a Casa Carlos Gomes, que vendia instrumentos musicais, partituras e discos. A decisão de mudar-se para São Carlos foi estratégica, uma vez que a cidade ficava no meio do caminho para suas apresentações na capital e interior.
Em 1925, Jacomino volta a residir em São Paulo. Por essa época, torna-se um dos primeiros músicos a se apresentar na recém fundada Rádio Educadora Paulista (futura Rádio Gazeta) e faz algumas das primeiras gravações no sistema elétrico no Rio de Janeiro. Suas gravações dessa década são consideradas algumas das melhores da história do violão no Brasil, ouvidas e estudadas de forma detalhada por violonistas como Antônio Rago, Mozart Bicalho e Dilermando Reis.
Concurso O Que É Nosso
Em fevereiro de 1927 participa do primeiro certame de interpretação violonística que se tem notícia no Brasil, o concurso O Que é Nosso, promovido pelo jornal Correio da Manhã. Apenas três participantes comparecem: além de Canhoto, o violonista cego Manoel de Lima – mais conhecido como Manoelito, do conjunto Turunas da Mauricéia, que tinha como cantor Augusto Calheiros – e a menina Ivonne Rebello, de 10 anos. Canhoto recebe o troféu principal, Prêmio João Pernambuco, sendo os outros violonistas também premiados: Manoel de Lima recebe o Prêmio Levino Albano da Conceição e Ivonne Rebello recebe o Prêmio Quincas Laranjeiras.
Ao voltar a São Paulo, Canhoto organiza um espetáculo no Teatro Municipal com os Turunas Paulistas, formado por músicos como Armando Neves. O jovem Aníbal Augusto Sardinha, mais conhecido como Garoto do Banjo (e, posteriormente, apenas como Garoto), também participou de espetáculos, tendo estudado com Canhoto durante certo tempo (conforme informações de Ronoel Simões e do filho de Canhoto, Luis Américo Jacomino). Por essa época, segundo o jornal O Estado de São Paulo, Canhoto dava aulas para mais de 200 alunos.
Ainda em 1927 Américo Jacomino foi nomeado lançador de impostos pela prefeitura da capital paulista, mas mesmo assim continuava sua carreira como concertista e suas gravações.
Morte
Em 1928, no dia comemorativo da Independência do Brasil, 7 de setembro, Américo Jacomino faleceu em São Paulo, no Hospital Santa Catarina – na Avenida Paulista – sendo enterrado no Cemitério do Araçá. Ele tinha apenas 39 anos de idade
A influência de Américo Jacomino é imensurável. Em vida, foi considerado o maior violonista do país, tendo recebido no Rio de Janeiro o título de Rei do Violão Brasileiro. Seus discos eram aguardados com expectativa pelos violonistas; as partituras de suas músicas eram das mais vendidas; seus recitais estavam sempre lotados.
Foi amigo de Agustin Barrios, gravou com músicos do nível de Francisco Alves, formou conjuntos importantes de música instrumental brasileira, gravou discos pelos sistema elétrico e mecânico, compôs mais de 150 canções de praticamente todos os ritmos principais da época (do maxixe ao cateretê, passando pelo dobrado, valsa, choro e tango, entre vários outros) e se apresentou em todo o Brasil. Tudo isso vivendo menos de 40 anos e não tendo nenhum violonista como antecedente para se espelhar em São Paulo. Músicas como Abismo de Rosas e Marcha dos Marinheiros jamais deixaram de ser tocadas e gravadas por violonistas profissionais e amadores. Violonistas como Geraldo Ribeiro e Ronoel Simões, entre muitos outros, consideram e consideravam Américo Jacomino o maior violonista brasileiro de todos os tempos.
Seu nome hoje em dia homenageia ruas e praças de cidades por todo o Brasil, como a Praça Américo Jacomino, onde se localiza a Estação Vila Madalena, do metrô de São Paulo.
Bibliografia
-ANTUNES, Gilson. Américo Jacomino "CANHOTO" e o desenvolvimento da arte solística do violão em São Paulo. Dissertação de mestrado. USP, 2002.
-BARTOLONI, Giacomo. Violão: a imagem que fez escola. Tese de doutorado. UNESP. 2000, 310 pág.
-ESTEPHAN, Sérgio. A Obra Violonística de Américo Jacomino, o Canhoto (1889 – 1928), na cidade de São Paulo. Tese de Doutorado, PUC, 2007, 255 pág.
-_________________. O Violão Instrumental brasileiro: 1884-1924. Dissertação de mestrado em História. PUC-SP, 1999.
Discografia
Devido ao grande número de discos, tanto solo quanto em conjunto ou acompanhando cantores – além dos discos de outros autores que vêm gravando suas obras desde a década de 1910 – listamos aqui apenas algumas gravações-solo):
Pisando na Mala (Odeon, 1912-1913)
Campos Salles (Odeon, 1912-1913)
Belo Horizonte (Phoenix, 1913-1918)
Saudades da Minha Aurora (Phoenix, 1913-1918)
Acordes do Violão (Odeon, 1915-1921)
Madrugando (Odeon, 1915-1921)
Uma Noite em Copacabana (Odeon, 1921-1926)
Marcha dos Marinheiros (Odeon, 1926)
Rosas Desfolhadas (Odeon, 1927)
Tempo Antigo (Odeon, 1927)
Abismo de Rosas (Odeon, 1927)
Marcha Triunfal Brasileira (Odeon, 1927)
Amor de Argentina (Odeon, 1928)
Quando os Corações se Querem (Odeon, 1928)
Composições Originais
A Gente se Defende
Abismo de Rosas
Acordes do Coração
Acordes do Violão
Ai Barbina
Ai Margarida Ai Margarida
Ai Momo
Alucinação
Alucinação de um Sonho
Alvorada de Estrelas
Amor de Argentina
Amor Sertanejo
Amores na Praia
Amorosa
Araci
Argentina
Argonautas
Arrependida
Bebê
Beijinho que te Dei
Beijos e Lágrimas
Belo Horizonte
Berço de Lágrimas
Berço e Túmulo
Brasileiro
Brasilerita
Burgueta
Campos Salles
Caprichoso
Carnaval a Noite
Casa Brancato
Cateretê Paulista
Cigarra na Ponta
Chuva de Pérolas
Clube do Jaboticabal
Côco de Iaiá
Da Bahia eu quero Côco
De quem são os teus Olhos
Deixe me Bem de Tolice
Delírios
Dengoso
Depois do Beijo
Devaneio
Dia de Folia
Em Pleno Mar
Entre Duas Almas
Escuta Minh´Alma
Esmeralda
Esse Cachorro Só Falta Falar
Falena
Fatalidade de um Beijo
Feche a Porta e Leve a Chave
Feiticeiro
Favorita
Flor Paulista
Fluminense
Foi-se Embora Maria
O Gato Comeu o Pato
Guitarra de mi Tierra
Hasta Luego
Invejoso
Já Se Acabô
Lábios Roxos
Lágrimas de Pérola
Lamentos
Lembranças de Lina
Longe de Quem Adoro
Luar de minha Terra
Luizinha
Luizita
Madrugando
Mamãe eu vou com Ele
Mamãe me Leve
Manhã Fatal
Manhãs de Sol
Manhoso
Marcha dos Marinheiros
Marcha Triunfal Brasileira
Medrosa
Melancolia
Menina do Sorriso Triste
Mentiroso
Mexicana
Não si Impressiona
Nas Asas de um Anjo
Nhá Maruca Foi S´imbora
Nhá Moça
Niterói
Noite na Roça
Olhar de Deusa
Olhos Feiticeiros
Olhos que Falam
Ondas Desertas
Pagando Dívidas
Paulista de Taubaté
Pensamento
Pisando na Mala
Ponta Grossa é Boa Terra
Porque Te Vuelves a Mi
Prelúdio em Mi Maior
Primeiras Rosas
Quando os Corações se Querem
Queixumes de Amor
Recordações de Cotinha
Recordações de Dalva
Reminiscências
Rolinha Voou
Rosas desfolhadas
Saci
Samaritana
Samba do Norte
Santa Terezinha
Saudades de Minha Aurora
Se o Telefone Falasse
Sempre Teu
Só na Bahia é que Tem
Solidão
Sombras do Passado
Sombras que Vivem
Sonhando
Sonhei, Sorri, Amei, Descri
Sonho de Amor
Sonho de Pierrô
Sonho de Primavera
Sortêro, Graças a Deus
Sudan
Suplicando Amor
Tempo Antigo
Tico-Tico Assanhado
Tico-tico no Farelo
Trepadeira
Triste Carnaval
Triste Pierrô
Tudo Mexe
Últimas Rosas
Última Noite em Copacabana
Última Noite em Ipanema
Última Noite na Roça
Última Noite no Sertão
Uiara
Viola Minha Viola