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Almeida Prado

Nascimento: 08/02/1943

Falecimento: 21/11/2010

Natural de: Santos (SP)

Com mais de 500 obras (para orquestra, coro, voz e piano, em sua maioria), Prado escreveu 4 peças para violão solo, entre 1972 e 1983, atravessando três fases estilísticas. São os ciclos Portrait, Livro para Seis Cordas, Sonata nº1 e mais a Poesilúdios nº1 
Almeida Prado

Discografia

Bibliografia

Por Fabio Scarduelli

O compositor brasileiro José Antônio Rezende de Almeida Prado nasceu em Santos (SP) no dia 08 de fevereiro de 1943. Seus primeiros contatos com a música ocorreram já aos dois anos de idade, quando ouvia em casa sua mãe e sua irmã estudarem ao piano obras clássicas do instrumento, incluindo Mozart, Beethoven, Chopin e Villa-Lobos. Iniciou seus estudos de piano ainda na infância, tendo como professora Dona Lurdes Joppert, que o apoiava nas invenções criativas. Datam desta época, começo da década de 1950, suas primeiras composições, dentre elas Adeus, Os Duendes na Floresta, Dança Espanhola, Procissão do Senhor Morto, O Saci e Um Gato no Telhado. Segundo Almeida Prado: “Todas nasciam após leituras de contos de fadas, cinema e as emoções do dia a dia de uma criança”.

Em 1953, por intermédio de sua irmã, ele teve a oportunidade de tocar suas peças para a grande professora, compositora e pianista virtuose Dinorá de Carvalho (1895-1980) que, muito impressionada com o talento dele, aceitou-o imediatamente como aluno. Almeida Prado deu início nesse momento a uma carreira como pianista, tocando já aos 11 anos (1954) o Concerto-Rondó em Ré maior de Mozart com a Orquestra Sinfônica Juvenil do Museu de Arte de São Paulo, sob a regência do maestro Mário Rossini. Realizou nesta mesma época diversos recitais em Santos e em São Paulo, mesclando repertório tradicional com suas próprias composições.

Seu caminho como compositor se abre definitivamente a partir de 1960, quando Dinorá de Carvalho o apresenta a Camargo Guarnieri (1907-1993). Nesta oportunidade, Almeida Prado mostra suas peças para Guarnieri, que o convida para ser seu aluno de composição. E assim nasce uma ligação que durou cinco anos, de 1960 a 1965. Estudou nessa mesma época análise, harmonia e contraponto com Osvaldo Lacerda (1927-2011). Realizou ainda entre 1961 e 1963 o curso de piano no Conservatório de Santos, escrevendo para a ocasião da formatura sua primeira obra para orquestra: um lamento praiano do Rio Grande do Norte intitulado Variações para piano e orquestra (1963).

Em 1965, por questões relacionadas a divergências estilísticas, Almeida Prado rompe com Guarnieri e conhece Gilberto Mendes (1922-2016), realizando com este um estudo informal de obras de Schoenberg, Stravinsky, Berg, Webern, Stockhausen, Boulez, Messiaen, Varèse e Villa-Lobos. Esta nova descoberta representou para o compositor uma abertura estética que marcou suas obras subsequentes, além de acender um desejo de estudar com os grandes nomes da música de vanguarda europeia.

No ano de 1969 surge o I Festival de Música da Guanabara, no qual Almeida Prado recebe o primeiro lugar com sua obra Os pequenos funerais cantantes – cantata fúnebre com texto de Hilda Hilst – concebida para coro misto, solista e grande orquestra. O prêmio de 25 milhões de cruzeiros foi suficiente para bancar seus estudos na Europa. Assim em 08 de agosto de 1969, o compositor deixa o Brasil rumo a Paris, onde reside por quatro anos. Nesse período estuda simultaneamente com Olivier Messiaen (1908-1992) e Nádia Boulanger (1887-1979). Além disso, com o sucesso de sua obra, assina contrato com a editora alemã Tonos Verlag, de Darmstadt. Dessa forma, aos 28 anos de idade, tem praticamente toda sua obra editada na Alemanha.

Após quatro anos na Europa, em junho de 1973, sentindo já estar com um conhecimento sólido e desenvolvido, resolve voltar ao Brasil. Ao chegar, assume a direção do Conservatório Municipal de Cubatão. Logo em seguida, em junho de 1974, recebe duas propostas que mudam definitivamente sua trajetória: a primeira para que compusesse a trilha sonora dos espetáculos do Planetário do Ibirapuera, encomenda que o fez criar a sua Cartas Celestes nº 1. Esta obra marca profundamente sua linguagem composicional subsequente, dando origem a um ciclo de 14 peças.

A segunda proposta vem do professor Zeferino Vaz, então reitor e um dos fundadores da Unicamp, para que lá ingressasse como professor. Prado aceita o convite e leciona nesta instituição até o ano 2000, quando se aposenta das atividades acadêmicas. Ainda na UNICAMP, em 1986, recebe o título de Doutor, no mesmo ano em que assume a cadeira de número 15 da Academia Brasileira de Música, cujo patrono é Carlos Gomes (1839-1896) e o fundador Lorenzo Fernândez (1897-1948).

Sua obra vem sendo colocada em destaque desde 1974, através de constantes execuções, pesquisas e gravações realizadas no Brasil e principalmente no exterior, em países como França, Inglaterra, Suíça e Estados Unidos. Almeida Prado compôs mais de 500 obras, sendo a maior parte dela para orquestra, coro, voz e piano. Dentre seus prêmios conquistados, destacam-se:

  • 1963 – Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte): revelação da Música Erudita;
  • 1967 – Prêmio APCA: melhor obra de câmara com sua Paixão Segundo São Marcos;
  • 1970 – Prix Lili Boulanger (Paris): com sua Sinfonia n.1;
  • 1971 – Prix Fontainebleau: com o Trio para piano, violino e violoncelo;
  • 1972 – Prêmio APCA: melhor compositor de Música Erudita;
  • 1972 – Prix Lili Boulanger Memorial Foundation (Boston): com sua obra

Portrait de Lili Boulanger para piano, quarteto de cordas e flauta;

  • 1973 – Prix Lili Boulanger Memorial Foundation (Boston): com seu Portrait de Nadia Boulanger, para voz e piano;
    1973 – Prêmio APCA: melhor obra instrumental com seu Solista, Variação, Recitativo e Fuga;
  • 1974 – Concurso Nacional do Sesquicentenário da Independência do Brasil: Primeiro lugar com o seu oratório Trajetória da Independência;
  • 1976 – Prêmio APCA: melhor obra sinfônica com Aurora;
  • 1977 – Prêmio Carlos Gomes: com seu Monumento a Carlos Gomes;
  • 1978 – Prêmio APCA: melhor obra para instrumento solista com seu Concerto para violino e orquestra de cordas;
  • 1979 – Concurso Ars Nova: primeiro lugar com sua cantata Jesus de Nazaré;
  • 1979 – Prêmio Esso de Música Erudita: com sua Crônica de um dia de verão para clarineta e orquestra de cordas;
  • 1984 – Prêmio APCA: melhor obra de câmara com seu Trio Marítimo;
  • 1993 – Prêmio APCA: melhor obra de câmara com sua Sonata para violino;
  • 1995 – Prêmio Nacional de Música da Funarte: com Cantares do seu nome e de pedras partidas;
  • 1996 – Prêmio APCA: melhor obra experimental com Arcos sonoros da catedral Anton Bruckner;
  • 1996 – IX Concurso Francesc Civil de Girona (Espanha): primeiro lugar com Cantares do seu nome e de pedras partidas;
  • 2003 – Prêmio APCA: grande prêmio da crítica;
  • 2005 – Ordem do Mérito Cultural: concedido pelo presidente da República (Luís Inácio Lula da Silva) e pelo ministro da Cultura (Gilberto Gil), com o objetivo de tornar público o esforço daqueles que prestam serviços em prol da cultura brasileira.

Foi ainda em seus últimos anos compositor residente no XXXVI Festival de Música de Campos do Jordão em 2005, ano em que teve sua Sinfonia dos Orixás executada pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Almeida Prado morreu em São Paulo em 21 de novembro de 2010.

Fases estilísticas

As obras de Almeida Prado estão reunidas e catalogada no Centro de Documentação de Música Contemporânea – CDMC / Campinas – na Unicamp. O compositor passou por diferentes fases estilísticas que podem ser assim classificadas:

Período

Fase

Característica

1952-1965

Nacional

Obras marcadas por uma estética baseada em temas e gêneros do folclore brasileiro, com linguagem modal ou tonal. Corresponde ao seu período infantil e de seus estudos com Camargo Guarnieri.

1965-1973

Universal

Fase caracterizada pelo rompimento com a linguagem nacionalista, na busca por uma universalidade, inspirada principalmente nos movimentos mais novos que surgiram na Europa nos anos 1960, através de procedimentos como o atonal, artifícios seriais, espacialização da rítmica, liberdade formal, entre outros. Corresponde ao período autodidata, marcado pelo rompimento com Guarnieri e orientação informal de Gilberto Mendes, assim como o período de Paris, com influências da vanguarda e um aprofundamento nos estudos de ritmo, contraponto e harmonia tradicionais.

1973-1981

Ecológico-Astronômica

O termo ecológico refere-se à inspiração na natureza, tais como ruídos, pássaros, e figuras onomatopaicas. Já o astronômico tem origem na sua obra Cartas Celestes n.1, composta como trilha sonora para os espetáculos do Planetário do Ibirapuera em São Paulo e que serviu como base para a sistematização de sua linguagem subsequente, criando um sistema próprio de compor baseado nas ressonâncias.

1981-2010

Pós-Moderna / Síntese

Momento em que passa a mesclar elementos diversos de sua trajetória. Fase que se caracteriza por citações, revisitações a formas e gêneros tradicionais, retorno ao uso de elementos de sua fase Guarnieriana, numa fusão de elementos que incorpora o tonal, modal, atonal, complexas explorações rítmicas e de timbres.

Almeida Prado e o violão

O conhecimento que Almeida Prado possuía do violão teve origem em audições, análise de partituras, principalmente de Villa-Lobos, e do contato com instrumentistas. Mesmo sem tocar o instrumento, escreveu para ele uma obra que abrange peças solo, camerísticas e uma fantasia para violão e orquestra (Khamailéon), como mostra o quadro abaixo:

Ano

Título

Instrumentação

1970

Khamailéon

Violão e orquestra

1972

Ritual da Palavra

Bar.Co.SATB;fl.ob.cl/gt./2pf/vln.vlc

1972

Portrait de Dagoberto

Violão solo

1974

Livro para seis cordas

Violão solo

1980

Celebratio amoris et gaudii

Co.SATB;gt

1981

Sonata nº1

Violão solo

1983

Poesilúdios nº1

Violão solo

1987

Lira de Dona Bárbara Eliodora – Cantata Colonial

S.T.Co.SATB;orq [20fl.2ob.2cl.2fg/4cor.2trb/2perc.vib.ttam. mar.camp.timp/pf(cemb).3gt/vln1.vln2. vla.vlc.cb]

1996

As 4 Estações

Violino e Violão

1996

Sonata Tropical

Dois violões

1997

Louvor Universal – Salmo 148

Pf, sax s(cl).sax a.3sax t.sax bar./5tpt.4trb/vib.xil.camp tub.pt sus.5 ttons.4timp.gc.perc/gt/cb

As obras para violão solo

Almeida Prado compôs 4 obras para violão solo, escritas entre 1972 e 1983, atravessando, portanto, três fases estilísticas distintas, como mostra o quadro abaixo:

Ano

Título

Movimentos

1972/75

Portrait

I – Visage intérieur

II – Visage Extérieur

1974

Livro para seis cordas

I – Discurso

II – Meditação

III - Memória

1981

Sonata nº1

I – Vigoroso

II – Interlúdio (Chorinho)

III  - Cantiga

IV – Toccata Rondó

1983

Poesilúdios nº1

-

 

A primeira peça, Portrait (1972/1975), teve seu primeiro movimento (Visage Intérieur) escrito em 1972. Faz parte da fase Universalista do compositor, cuja linguagem harmônica é atonal livre e serial. Foi dedicada ao violonista brasileiro Dagoberto Linhares, que Almeida Prado conheceu na Europa no início dos anos 1970. Trata-se do retrato do artista dividido em dois ângulos distintos: o interior, representado por um movimento melódico e meditativo (Visage Intérieur), e o exterior, representado por um movimento rítmico (Visage Extérieur).

Cada movimento da peça foi escrito em uma época distinta. Primeiro, em 1972, escreveu somente Visage Intérieur. Depois, em 1975, quando já morava em Campinas, escreveu Visage Extérieur: “[...] Eu compus em Genebra somente Visage Interieur. Mais tarde, em [19]75, eu escrevi Visage Exterieur, porque Dagoberto Linhares havia dito que a peça era muito curta. Tendo o mesmo espírito, eu fiz a obra virar um díptico. Então Visage Exterieur é de [19]75, e essa página, Visage Interieur, é de [19] 72”. A peça foi estreada em Genebra por Dagoberto Linhares, que realizou ainda a revisão e a digitação para que fosse editada pela Tonos Verlag em 1979.

Sua segunda peça para violão solo, o Livro para seis cordas, foi escrita em 20 de julho de 1974. Ela antecipa em alguns dias a linguagem da Cartas Celestes n.1, obra escrita em 2 de agosto de 1974 e que marca oficialmente a transição estética do compositor à sua fase que ficou conhecida como Astronômica. Almeida Prado frisa a semelhança da geografia de ambas as peças e ainda comenta:

Isso aqui [Livro para seis cordas] é Carta Celeste, porém em essência, não com tanta nota, mas o gesto é igual. Veja aqui, vinte de julho [20/07/1974, referindo-se a data da composição do Livro para seis cordas]. Eu compus a Cartas 1 em dois de agosto [02/08/1974], uma semana depois! É continuação do Livro.

Essa obra foi uma encomenda do violonista Turibio Santos como parte de um projeto que consistia de uma edição pela Max Eschig e uma gravação pelo selo Erato de três compositores brasileiros: Marlos Nobre, Edino Krieger e Almeida Prado. A peça possui três movimentos: Discurso, Meditação e Memória, cujos títulos, segundo o compositor, vêm da necessidade de não pensar em forma sonata:

[...] dei o nome de livro porque é uma suíte, com três peças[...] Eles vêm de uma necessidade de não pensar em forma sonata. É um livro, uma nova maneira de pensar. Eu tenho o Livro para cordas, e ele tem também Discurso, Memória... O Livro para cordas é de [19]73, e este é de [19]74, estão todos próximos.

O projeto de Turíbio Santos foi consolidado em 1975 e esta é a única peça de Almeida Prado editada na França pela Max Eschig.

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Em 1981, a pedido do violonista Dagoberto Linhares, Almeida Prado escreve a sua Sonata n.1. A peça consta de quatro movimentos. No primeiro, uma forma sonata tradicional, o compositor cita o tema do Concerto para violão e pequena orquestra de Heitor Villa-Lobos. No segundo e terceiro movimentos, lança mão de gêneros tradicionais da música brasileira: um Chorinho e uma Cantiga respectivamente. Nesta última, utiliza como base para sua construção o tema da Cantiga de Amor (1977) de sua trilha sonora para o filme Doramundo, de João Batista de Andrade.

Utilizou posteriormente esse mesmo tema como base para sua Sonata nº 4 para Piano. Por último, como quarto movimento, escreve uma Toccata – Rondo. Dagoberto Linhares estreou esta sonata em Londres, no Wigmore Hall, e tocou-a ainda algumas vezes na Europa. Trata-se de uma obra da fase pós-moderna do compositor, que contém citações, auto-citações, modalismos, complexas elaborações rítmicas e gêneros tradicionais da música brasileira em seus movimentos, numa espécie de fusão de elementos.

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Em 04 de setembro de 1983, querendo sair da linguagem de suas Cartas Celestes, Almeida Prado inspira-se num verso de Fernando Pessoa para criar um misto de poesia com prelúdio: 

Só o ter flores pela vista fora
Nas áleas largas dos jardins exatos

Basta para podermos
Achar a vida leve

O Poesilúdio nº 1 é uma peça original para violão solo, de caráter não virtuosístico, dedicada ao violonista amador e então Vice-Reitor da Unicamp Ferdinando Figueiredo. Ficou inicialmente como uma peça isolada, mas, a partir de setembro de 1983, resolveu arranjá-la para piano, dando início àquela que seria a sua série de 16 Poesilúdios.

Assim, a pequena peça para violão originou um importante ciclo do repertório pianístico brasileiro, com peças inspiradas em pinturas (Poesilúdios nº 2 ao nº 5) e noites de grandes cidades (Poesilúdios nº 6 ao 16). O Poesilúdios 1 teve a digitação de Ferdinando Figueiredo e edição da Tonos Verlag. Sua linguagem modal e seu ritmo sincopado remetem ao estilo nacionalista de Camargo Guarnieri. Almeida Prado costumava citá-lo como um marco na mudança de direção de sua linguagem, saindo da fase Cartas Celestes para entrar na sua fase Pós-moderna.

Referências bibliográficas

SCARDUELLI, Fabio. A obra para violão solo de Almeida Prado. Campinas, 2007. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

SCARDUELLI, Fabio. Khamailéon: Fantasia para violão e orquestra de Almeida Prado. Campinas, 2009. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

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