Violonista retrata a cidade de Forlì deserta e o avanço do Covid-19 na Itália
(Piazza Saffi, praça principal de Forli - crédito: Amadeu Rosa)
Por Amadeu Rosa*
Especial para o Acervo Violão Brasileiro
Atualmente vivo na cidade italiana de Forlì, Emília-Romagna, hoje a segunda região mais afetada pelo Covid-19, depois da Lombardia. Na última sexta-feira (20/03), quando fui ao mercado comprar itens de primeira necessidade, fotografei a Piazza Saffi - a principal praça da cidade, onde acontecem feiras duas vezes por semana, manifestações artísticas e onde as pessoas se encontram. Mas agora está sem ninguém.
No caminho, passei pelo Corso della Republica (principal rua de Forlì, que liga o centro histórico à estação de trem da cidade), onde se concentram os bancos, livrarias e vida noturna. Igualmente deserta. E também fui rever os pórticos (tipo de construção das ruas do centro da cidade, baseada na arquitetura da cidade de Bologna, capial da Emilia-Romagna). O movimento de pessoas é normalmente constante. Mas está tudo vazio.
Há um mês acompanhei de perto o avanço do vírus e as medidas tomadas pelo governo italiano para evitar o agravamento da situação. Durante o carnaval, com o aumento dos casos no país, o presidente do Conselho de Ministros da Itália, Giuseppe Conte, assinou o primeiro decreto dividindo a Itália em três zonas: rossa (vermelha), gialla (amarela) e a terceira correspondente ao restante do território nacional.
(Corso della Republica - crédito: Amadeu Rosa)
Forlì foi classificada como zona gialla, que significava o fechamento de escolas e universidades, cancelamento eventos públicos, fechamento de museus, suspensão de concursos públicos, etc.
A realidade que se anunciava provocou grande medo na população italiana, levando à primeira corrida aos supermercados e farmácias. Nos primeiros três dias após o decreto era muito difícil encontrar produtos alimentares. Aos poucos, o abastecimento foi normalizado.
Não demorou muito para que toda a Itália se tornasse o que as autoridades chamaram de zona protetta (zona protegida), com encerramento de todas as atividades de estabelecimentos comerciais, exceto mercados e farmácias. A circulação da população hoje é controlada.
(Pórticos - crédito: Amadeu Rosa)
São permitidas apenas saídas emergenciais por motivo de saúde, compras de itens de primeira necessidade, compromisso de trabalhos que não podem ser paralisados como é o caso de médicos e retorno à casa de cidadãos que estavam em diferentes regiões da Itália e do mundo. Todos são obrigados a preencher um formulário justificando a saída, sob pena de multa ou detenção de três meses em caso de descumprimento.
Na Itália, país conhecido por cultivar o bem-estar e o alto astral, hoje as ruas estão completamente desertas. As poucas pessoas que circulam usam máscaras, têm um semblante preocupado e mantêm distância de pelo menos um metro umas das outras. São frequentes as filas para ingresso nos poucos estabelecimentos abertos, pois o acesso é controlado.
Sobre estar em casa
“Io resto a casa” (Eu fico em casa). Esta é a palavra de ordem de todo cidadão italiano ou residente no país. É talvez uma das poucas coisas que se pode fazer para ajudar a diminuir a velocidade de contágio da Covid-19 e evitar uma calamidade ainda maior. Mesmo quem não faz parte de grupos de risco, precisa entender que o destino e a vida de outras pessoas está em todos os nossos gestos e ações.
(Amadeu Rosa - crédito: David Costa)
Como músico, ficar em casa é uma decisão profissional e econômica muito difícil. Eu mesmo tive que remarcar os concertos que faria neste primeiro semestre. Mas acredito que o momento agora é de respeitar todas as determinações dos órgãos de saúde.
Como artista autônomo, sei que existe muito a se pensar sobre as relações de trabalho, detalhes contratuais e aprofundar discussões sobre questões como a renda básica universal. Porém, em meio a uma pandemia, o momento é para ficar em casa e formar uma rede de apoio, fazendo o que pode.
Na Itália está surgindo um movimento lindo de solidariedade. Além dos “flash mobs” nas sacadas das casas, que é muito bonito, existe uma corrente de apoio silenciosa: são os médicos aposentados que retomam seus postos depois de anos de dedicação, os psicólogos que oferecem gratuitamente auxílio remoto para quem precisa de ajuda psicológica, músicos que montam programação artísticas via internet.
(Centro histórico de Forlì - crédito: Amadeu Rosa)
Eu tenho ministrado a estudantes italianos de violão aulas livres via Skype durante todo o período de quarentena. Tem sido uma experiência de troca e apoio fantástica. Pretendo fazer o mesmo com alunos brasileiros caso o país precise realmente tomar medidas mais radicais, como aconteceu com a Itália.
*Amadeu Rosa é violonista brasileiro e professor de música. Reside na Itália desde 2019.