Que ladeira é essa. Minidoc analisa obra de Gilberto Gil e seu violão criativo
(Gilberto Gil, início 1970)
Da redação
Em 1973, em plena ditadura militar no Brasil, o cantor e compositor Gilberto Gil fez um show de cerca de três horas na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), organizado pelo movimento estudantil. O artista baiano retornara de seu exílio em Londres havia cerca de um ano e a atmosfera no país era de inquietude política e cultural. Neste concerto, entre sambas, baiões, rocks, ijexás, bossas e pitadas de blues e jazz, Gil demonstrou com maestria sua celebrada técnica de voz e violão. O áudio desta apresentação histórica só veio a público nos anos recentes (presente no CD Gilberto Gil Ao Vivo na USP.
Pois este é o tema do minidocumentário GIL 73 USP Ladeira da Preguiça, dirigido pelo violonista e pesquisador Almir Côrtes, que também é professor do Instituto Villa-Lobos da UNIRIO. O vídeo é dividido em duas partes (20 minutos, cada). A primeira parte foi lançada em 9 de junho e nesta quarta-feira (23/06), às 19h, é a estreia da segunda parte, nos canais do Youtube e Facebook de Almir Côrtes e do Acervo Violão Brasileiro (apoiador da iniciativa).
ASSISTA AO MINIDOC GIL 73 USP - PARTE 2
Em seguida, nesta quarta (23/06), às 19h20, haverá bate papo ao vivo assim que terminar o doc, com Almir, junto com o músico e aluno do bacharelado da Unirio, Filipe Sousa, e o violonista, guitarrista e professor da UFRGS, Paulo Inda, com mediação do produtor e jornalista Alessandro Soares. O minidoc e a live derivam do projeto de pesquisa “Gilberto Gil ao vivo na USP, 1973 – Voz e violão em contexto", realizado por Almir.
O repertório do show na USP é formado por músicas do então último disco, Expresso 2222, de 1972, e temas à época inéditos. A performance de Gil evidenciava a sua apropriação de elementos musicais brasileiros e internacionais, bem como a sintonia dele com os ideais da contracultura. Entre as composições inéditas do show estava Ladeira da Preguiça. “Esse é um sambinha que eu fiz há pouco tempo”, disse Gil na ocasião. A passagem aparece na parte 1 do minidocumentário “Gilberto Gil 73 USP – Ladeira da Preguiça”, que pode ser assistido pelo link no final desta matéria.
ASSISTA À SEGUNDA LIVE SOBRE O PROJETO GIL 73 USP
A primeira parte do documentário detalha as diferenças fundamentais das versões ao vivo e de estúdio de Gil, e também da gravação de Elis. Com roteiro de Côrtes e dos pesquisadores Tássio Ramos e Filipe Sousa, o filme traz também a curiosa inspiração por trás da composição – uma ladeira em Salvador – e tenta explicar a controversa mitologia em torno da preguiça baiana, a qual Gilberto Gil aborda de maneira bem-humorada em sua canção.
Ladeira da Preguiça, chamada por Gil de sambinha, é considerado um samba moderno, ou ainda um samba-jazz. No doc, os pesquisadores Joana Saraiva e Gabriel Improta são convidados a abordarem a questão estilística desses subgêneros do samba e como a obra de Gil dialoga com essa vertente.
(Almir Côrtes - crédito foto: Isabela Senatore)
Destaca-se também a abordagem técnica que o professor Almir Côrtes descortina entre a diferença na execução da canção na USP e na versão de estúdio lançada em 1999 no CD Cidade do Salvador. “Gilberto Gil lida com a composição de uma forma muito livre e flexível”, explicou Côrtes em live realizada pelo Acervo Digital do Violão Brasileiro para debater a produção do minidocumentário.
(Capa CD Cidade de Salvador)
Na segunda parte do minidocumentário, Almir destaca mais ainda as características do violão criativo de Gil, incluindo as levadas de mão direita, a maneira de uso de polegar e indicador, formas de cordas soltas, tipos de acordes, figurações e variações rítmicas, a mistura de samba e ijexá, entre outros aspectos. Tudo isso relacionado com o canto de Gil. Almir também toca os principais trechos da música Ladeira da Preguiça, exibindo a partitura.
Comandado por Alessandro Soares, o papo virtual recebeu Almir Côrtes e Tássio Ramos para se aprofundarem na importância da obra de Gil e na realização dos estudos acadêmicos sobre a música popular brasileira, e também investiga os desafios na transcrição das canções pelos pesquisadores.
O show
O evento musical fazia parte do esforço estudantil em promover espaços de debate e denúncia contra a repressão do regime ditatorial iniciado em 1964, e do qual Gilberto Gil havia sido uma vítima emblemática: ele o parceiro Caetano Veloso foram forçados a se exilar em 1969, após serem presos acusados de subversão em dezembro de 1968, pouco após a implementação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5).
Ladeira da Preguiça havia sido composta a pedido da cantora Elis Regina, que a gravou em seu álbum Elis, de 1973. A canção recebeu uma versão instrumental do baterista Milton Banana no ano seguinte, mas a gravação em estúdio de Gilberto Gil, feita também naquela época, só veio a público em 1999, no álbum Cidade do Salvador, e apresenta figura rítmica e condução de vozes que, juntas, funcionam como uma espécie de riff e dão suporte para a melodia cantada.