Primeiro violonista negro a realizar concerto no Pará tem obra resgatada em livros e discos
(Tó Teixeira - crédito: Chico Carneiro)
Por Elcylene Leocádio
Antônio Teixeira do Nascimento Filho (1893-1982), popularmente conhecido como Tó Teixeira, foi um grande violonista, compositor e professor que nasceu no centro de Belém, no Pará, na atual cidade velha. Para o músico e pesquisador Salomão Habib, comemorar o aniversário de Tó é celebrar o nascimento da música na Amazônia. No dia 13 de junho de 1893, surgia boa parte da história dessa região do país com o nascimento de um homem pobre, negro e músico, que lutou contra o preconceito e não recuou ante as adversidades.
Tó Teixeira deixou mais de 250 músicas – quase todas inéditas - entre canções e peças instrumentais para violão solo e para banda. A obra dele veio à tona por Habib, que lançou um pacote de quatro CDs, dois livros (biografia e álbum de partituras) e DVD. Esses títulos estão esgotados, mas a Loja Violão Brasileiro está vendendo esta coleção com exclusividade e sob encomenda, pois não existem muitas unidades. A biografia de Tó por enquanto está fora da coleção porque está completamente fora de catálogo e terá nova prensagem em 2022
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Salomão Habib é violonista, professor e pesquisador da música amazônica, que dedicou 28 anos de sua vida ao resgate e divulgação da obra de Tó Teixeira e também ao estudo da música indígena. Habib tem um acervo de 51 instrumentos musicais, entre os quais 28 violões dos mais variados tipos. E desenvolve um trabalho voltado para crianças, inclusive com deficiências e autistas, o projeto Cantar-o-lar, apoiado pelo Unicef e pela Prefeitura de Belém (Pará), tendo composto mais de 280 canções infantis.
Por ocasião do aniversário de Tó Teixeira, no sábado passado (13/06), Habib falou ao Acervo do Violão Brasileiro sobre o grande mestre pioneiro paraense.
Biografia
O menino Tó nasceu e cresceu em um ambiente artístico e festivo, no alegre bairro Umarizal, onde moravam os negros que trabalhavam nas casas dos senhores brancos e ricos que habitavam as chamadas "rocinhas". Ali acontecia tudo de arte, folguedos, teatro de revista, conjuntos de pau e corda. Adulto, ele se dizia um homem rico e feliz. Tinha o amor dos pais, a música, podia tocar, ensinar e tinha um conhecimento que nenhum dinheiro compra. Para ele, “o conhecimento é algo que você tem e desenvolve ou você não tem”. Sua família era descendente de pessoas escravizadas.
O pai, Antônio Teixeira do Nascimento, era flautista, dono de conjuntos de pau e corda. Era também ferreiro, especialista em recauchutar os fornos dos vapores de navios e faleceu em 1930 em um acidente de trabalho. Esta profissão era destinada socialmente aos negros por ser considerada menor, como outras tantas, entre as quais, tocar violão.
Naquela época, na Amazônia, tocar violão não era profissão exercida pelos portugueses, pelas pessoas brancas. Uma curiosidade é que apesar de a vihuela (espécie de ancestral do violão) ter vindo da Espanha, o instrumento foi utilizado para catequizar escravos e indígenas e, até os anos 1950, grande parte dos violonistas da região eram negros, a exemplo de Artemiro Ponte e Souza (conhecido como Bem-Bem), Mestre Martinho e Raimundo Canela.
(Tó Teixeira - crédito: Chico Carneiro)
Primeiro concerto
Tó cresceu entre o racismo, a discriminação ao músico popular e a pobreza, e contrariando o preconceito existente, foi o primeiro homem negro a realizar uma apresentação na forma de concerto na cidade de Belém, no Pará, em 1919. Ele era uma pessoa determinada, que aprendeu tudo o que sabia sem nunca ter ido à escola. Além de professor, era encadernador ou "ressuscitador de livros" como o apelidaram e como tal aproveitava as horas vagas para ler os livros deixados para restauro na pequenina oficina da Rua 13 de Maio, antiga Rua do Pelourinho, em Belém. Ali ele trabalhava ao lado do amigo e poeta Bruno de Menezes.
Como professor, Tó Teixeira dava aulas em sua humilde casa, na rua Domingos Marreiros, 370, e lá formou gerações de músicos, de pedreiros a juízes. Perguntado certa vez por uma jornalista se não tinha vontade de ter um trabalho que lhe desse condições de ter uma vida melhor, de ser mais feliz, ele respondeu que ali onde morava batiam à sua porta homens de dinheiro, mas que não tinham o que ele tinha: conhecimento. E que ela não duvidasse: ele era um homem feliz.
Sarau
Parte dessa felicidade está registrada em uma de suas cartas, escrita em 31 de dezembro de 1942. Nela, o músico comenta sua participação no sarau realizado em uma casa aristocrática da cidade. Embora sendo uma pessoa simples, Tó reconhecia seu valor: “acostumado que estou a tanger o meu pinho diante dos entendidos da arte não tive por que vacilar quando chegou a vez de manifestar-me”.
No evento, Tó acompanhou o amigo Remo Figueiredo que cantou À beira mar, uma das famosas canções de Vicente Celestino. Os aplausos entusiasmados da plateia lhe deram “a ilusão de que era um grande mágico do violão”. Nessa carta ele escreve que, ao término do sarau, a aniversariante jogou pétalas de rosas sobre suas cabeças, fazendo-o sentir “como se fôramos em realidade deuses da divina arte dos sons”.
Legado
Apesar da vida difícil, o mestre Tó compôs 18 ladainhas para santos diversos e mais de 250 músicas entre canções e peças instrumentais para violão solo, peças escritas para banda, além de fazer transcrições e arranjos de peças clássicas. No entanto, gravou apenas um único disco, um compacto, pela gravadora Marcus Pereira, por insistência do produtor e pesquisador Vicente Sales.
Em 2009, no projeto Sonora Brasil, realizado pelo Sesc em 2009, quando foram realizados 83 shows nas capitais brasileiras, Salomão Habib apresentou ao grande público obras de Tó Teixeira. No Rio de janeiro, ao lhe perguntarem onde estavam as partituras daquela obra maravilhosa, ele respondeu: são todas inéditas. Daí surgiu o convite, feito pelo coordenador do Selo Sesc, Wagner Palazzi, que resultou na gravação de quatro CDs, 1 DVD de uma hora e 20 minutos e dois livros (um histórico e um de partituras) com apoio da instituição.
Finalmente o Brasil e mundo vão poder conhecer a obra do mestre amazônico, quase 40 anos após sua morte. No dia 29 de outubro de 1982, o bairro do Umarizal se calou para ouvir as palavras de despedida de Tó Teixeira antes de seu último suspiro: “vejam, ouçam, tem uma orquestra de violões tocando”.