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Pat Martino: a força criativa e o legado de um dos maiores guitarristas de jazz

Postado em Artigos em 14/12/2021

Pat Martino: a força criativa e o legado de um dos maiores guitarristas de jazz - Imagem Pat Martino

(Pat Martino)

Por Fábio Carrilho

Na retrospectiva de 2021, um destaque no mundo do jazz é a perda um dos seus maiores expoentes na guitarra, Patrick Carmen Azzara, ou simplesmente Pat Martino (1944-2021). Nascido na Filadélfia, o músico estadunidense faleceu aos 77 anos em sua cidade natal no dia primeiro de novembro após uma longa batalha contra problemas respiratórios, motivo que o levou a se afastar dos palcos ainda em 2018, quando estava em grande forma e intensa atividade artística. Como legado, o músico deixa uma extensa discografia como artista solo e sideman, por grandes selos de jazz, como Prestige, Muse e Blue Note, além de sua obra didática, uma faceta por vezes ofuscada pela sua trajetória artística. Isso sem contar sua história de vida, um capítulo à parte e que daria um roteiro hollywoodiano, pela maneira como venceu nos 1980 uma séria amnésia após cirurgia cerebral, fazendo-o ressignificar inteiramente sua vida e sua carreira a partir dali.

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Martino influenciou gerações de guitarristas com seu fraseado bebop peculiar marcado pelo lirismo de suas linhas melódicas de grande fôlego, sua grande marca registrada, senso rítmico perfeito e umas das técnicas de palhetada mais precisas que se tem notícia. Tido como prodígio no instrumento, ganhou fama e viu sua carreira deslanchar na cena jazzística norte-americana após sua mudança, ainda adolescente e já profissional da música, para Nova York no início dos anos 1960. Ficou inicialmente na cidade sob a responsabilidade do guitarrista Les Paul e de sua esposa, a cantora Mary Ford.

Pat Martino: a força criativa e o legado de um dos maiores guitarristas de jazz - Imagem Pat Martino em 1967

(Pat Martino em 1967)

A amizade com Les Paul surgiu por intermédio de uma figura muito importante na formação musical de Martino, seu pai Carmen "Mickey" Azzara, que o levou para assistir ao show da dupla em passagem pela Pensilvânia. Após a apresentação, Martino conta que o veterano guitarrista lhe passou o instrumento e pediu que mostrasse o que sabia fazer, nascendo a partir dali uma amizade para o resto de suas vidas.

Guitarrista e cantor semi-profissional, seu pai, que trabalhava de alfaiate, tinha sido aluno do guitarrista Eddie Lang, seu conterrâneo e um dos pioneiros não apenas da guitarra jazz, mas na sistematização de seu ensino.

Mickey convenceu Martino a abandonar suas pretensões pelo trompete, fazendo-o optar pela guitarra, projetando no filho, em certa medida, suas aspirações não realizadas de se tornar um músico de sucesso. Cedeu sua guitarra, ensinou-lhe os princípios básicos, conseguiu que estudasse com o guitarrista e famoso professor de teoria musical Dennis Sandole, mentor de outro conterrâneo de peso, o jovem saxofonista John Coltrane, do qual Martino viria a se tornar próximo, além de outros grandes artistas de jazz.

O hábito de levar o garoto para assistir shows de grandes nomes do jazz que passavam pela cidade fez Martino conhecer não apenas Les Paul, mas Wes Montgomery, o qual se tornaria uma de suas principais influências.

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Tempos depois, morando no Harlem, Martino, músico branco, passou a tocar regularmente em casas como o Smalls Paradise e o Count Basie's, ganhando o respeito não apenas de plateias essencialmente negras, mas de músicos como George Benson, Kenny Burrell e o próprio Wes Montgomery, que costumavam ir assisti-lo. Se na Pensilvânia o guitarrista havia se profissionalizado tocando em grupos de rhythm n' blues e rock n'roll, foi em Nova York que entrou de cabeça no universo jazzístico. Atuou como sideman da big band do cantor Lloyd Prices, dos saxofonistas Willis Jackson e Eric Kloss, além de diversos organ trios, como os de Don Patterson, Jack McDuff, Charles Earland e Trudy Pitts, formato, aliás que sempre o fascinou, sendo uma constante em sua carreira.

Após ter gravado diversos álbuns como sideman pelo selo Prestige, a gravadora nova iorquina de Bob Weinstock e do engenheiro de som Rudy Van Gelder, dona de um catálogo formado por estrelas como Miles Davis, Thelonious Monk, Sonny Rollins, entre outras estrelas do jazz, finalmente lançou Martino como líder, resultando nos cinco primeiros álbuns de sua lavra. Da fase "Prestige", assim por dizer, constam títulos fiéis ao hard-bop, como El Hombre (1967), seu álbum de estreia, Strings (1967) e Desperado (1972), este último contando com os timbres insólitos de sua guitarra Univox de 12 cordas, ao lado de títulos mais experimentais, como Baiyina: The Clear Evidence e East!, influenciados pela música indiana e pelas filosofias orientais.

Pat Martino: a força criativa e o legado de um dos maiores guitarristas de jazz - El Hombre   Pat Martino: a força criativa e o legado de um dos maiores guitarristas de jazz - Live At Yoshi's

Em meados dos anos 1970, fechou contrato com a gravadora Muse e, posteriormente, com a Warner Bros, dando sequência a uma série de álbuns conceituais. The Visit! (1975), por exemplo, é uma homenagem a Wes Montgomery, para a qual Martino montou um combo pouco usual com destaque para a guitarra rítmica de Bobby Rose. Já Joyous Lake (1976) é um álbum de jazz fusion, com timbres de guitarras distorcidos, enquanto We'll Be Together Again (1976) tem uma aura mais introspectiva.

Foi então que o inesperado aconteceu. O músico, que desde criança havia sido diagnosticado com uma malformação em uma artéria cerebral, começou a sofrer uma série de enxaquecas e convulsões, uma delas ocorrendo em pleno palco em 1976. Na sua autobiografia Here and Now!, de Bill Milkowski, ele conta que passou por diversos tratamentos, incluindo eletrochoques, o que levou-o a parar com os shows, passando a lecionar guitarra no Guitar Institute of Technology (GIT), em Hollywood.

Os problemas persistiram e Martino precisou passar por uma delicada cirurgia, a qual ocasionou uma espécie de AVC seguido de uma perda quase total de sua memória, fazendo-o esquecer de tudo, inclusive como tocar guitarra.

Foram cinco anos para recuperar completamente a memória, passando por uma fase de severa depressão, na qual contou com apoio dos pais e encontrou na guitarra, que teve que reaprender a partir de seus próprios discos, uma de suas salvações. "Eu costumava fazer tudo o que era possível para ter sucesso no meu instrumento e na minha carreira. Hoje, o momento é a única coisa que eu posso prestar atenção. Não tinha ideia do passado, nem do futuro", costumava dizer o guitarrista, que retornou aos palcos em 1987, dando origem ao emblemático álbum "The return!", um atestado de que estava em plena forma novamente.

Se pelo lado artístico, Martino foi um dos grandes de sua geração, sua faceta didática foi de grande contribuição para o ensino da improvisação na guitarra. A preocupação com o desenvolvimento da criatividade sempre foi uma constante em seu trabalho, fruto de sua experiência enquanto aluno. "Por muitos anos, vi professores sendo controladores das regras, o que é o oposto da liberdade, da imaginação e da ingenuidade ", afirmava. "Para mim, não existe coisa mais séria do que o prazer em tocar. Este sempre foi meu comprometimento e foi o que o jazz fez por mim", afirmava em sua autobiografia.

Em seus livros Linear Expressions e nos dois volumes da série Creative Force, o guitarrista mergulha fundo no conceito de "conversão menor", prática de improvisação que consiste em utilizar apenas escalas menores sobre toda sorte de acordes, o que facilita o desenvolvimento de longas linhas melódicas, umas de suas marcas estilísticas. Tal recurso, popularizado por músicos como Wes Montgomery, foi sistematizado por Martino em seus livros, sendo uma de suas grandes contribuições à didática da guitarra jazz. The Nature of Guitar, livro que virou uma série de vídeo-aulas produzidas na última década, é um rico material no qual o autor explora conexões idiomáticas de acordes ao longo do braço, trabalhando o que chama de "Estudo dos Opostos".  

Após seu retorno aos palcos, Martino gravou álbuns pela Blue Note Records, como o curioso All Sides Now (1997), que traz convidados de diversos estilos, como Charlie Hunter, Tuck Andress e Les Paul, ao lado de parcerias inesperadas como Joe Satriani; assim como elogiado Live at Yoshi's (2001), indicado ao Grammy e que traz um dos grandes organ trios de sua carreira, ao lado de Joey DeFrancesco (órgão) e Billy Hart (bateria). Em "Think Thank" (2002), Martino atacou de quinteto com a nata dos músicos de NY, destilando seus experimentalismos composicionais ao lado de Joe Lovano (sax), Gonzalo Rubalcaba (piano), Christian McBride (baixo) e Lewis Nash (bateria). A "era" Blue Note fechou com mais um tributo a Wes Montgomery, Remember (2006).

Seus últimos trabalhos foram lançados pelo selo High Note, que montou um catálogo mesclando materiais novos com outros do "fundo do baú". Na primeira categoria estão Undeniable: Live at Blues Alley (2011), mais um álbum ao vivo de organ trio, e Formidable (2017), seu último álbum de estúdio com seu grupo, lançado poucos meses antes de sua retirada dos palcos por problemas respiratórios.

Na categoria das raridades, Nexus (2015) é um inédito duo de guitarra e piano na discografia de Martino, esse ao lado de Jim Ridl, em gravação da década de 1990; assim como Alone Together (2012), registro de duo com guitarrista Bobby Rose, seu conterrâneo de Filadélfia, em gravações feitas nos anos de 1977/1978 extraídas dos arquivos de Martino. Fecha a trinca Young Guns: Gene Ludwig, mais um organ trio, agora com Gene Ludwig (órgão) e Randy Gelispie (bateria), em gravação do final dos anos 1960. Enfim... um dos maiores mestre da guitarra que se foi..

Pat Martino: a força criativa e o legado de um dos maiores guitarristas de jazz

(Pat Martino)

           

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