Pablo Milanés nos fazia acreditar que a América Latina afroandinocaribenha era possível e uma só
(Pablo Milanés)
Por Fernando Llanos*
A morte do cantor e compositor cubano Pablo Milanés me pegou, nesta vida, morando no Brasil. É difícil, porque você não tem com quem mensurar a tristeza dessa perda e sair cantando - “trovando” diria - e se abraçando para tentar aliviar essa notícia indigerível, recordando os anos que o cantor esteve presente em tantas fases da minha vida. Até os meus 25 anos morando em Lima, no Peru, ele já tinha sido muita coisa: tema de novela, a trilha musical de namoros ainda adolescentes, o disco que acompanhou os trabalhos dos tempos da universidade, o concerto lotado cantando aos prantos “Para vivir”, as noites de bohemia e o repertório de quem se aventurou a cantar e tocar um instrumento.
A diferença do seu par histórico da Nueva Trova, Silvio Rodrigues, mais intelectual e de profundo lirismo vallejiano, o papel de Milanés era ser puro coração, o de juntar opostos, o de derreter gelos, o de fazer pedir perdão.
(Pablo Milanés ao lado de Chico Buarque, Djavan e Caetano Veloso no programa Chico & Caetano, Rede Globo, 1986)
As letras dele pareciam a crônica da vida cotidiana, seu fraseado forjado no melhor bolero cubano, aquele vibrato muito peculiar no final das frases era marca registrada que você ouvia e falava para si, em silêncio “é o Pablo”. E é que ele era uma “presença”. Um “ser”. A sua parsimonia no palco te fazia acreditar, te levava a sentir que as pessoas ao teu lado, os países ao teu lado, a América Latina “afroandinocaribenha” era possível e uma só. A utopia mais suave, sútil, engajada e delicada ao mesmo tempo foi sempre a de Pablo. Ainda que muitos gostassem apenas das suas canções, ele sempre transcendeu o plano estritamente musical.
Sua existência foi testemunho vivo da ética de sermos consequentes, quando celebramos a beleza e quando reclamamos justiça: “Pobre do cantor de nossos dias / que não arrisque a sua corda por não arriscar sua vida / Pobre do cantor que nunca saiba / que fomos a semente e hoje somos esta vida”. A coletânea de suas melodias são uma disciplina de qualquer programa de pós graduação em Música (pelo menos eu garanti que estejam em destaque juntos outros de seus contemporâneos em um componente de graduação em Música na EMAC).
(Pablo Milanés)
Nelas você tem mais de meio século de uma filosofia de vida, misturada com eventos políticos da nossa região: sua vida foi uma cátedra. Como esquecer as décadas de repressão ditatorial (que até hoje nos assolam) na hora de cantar “Yo pisaré las calles nuevamente”! (Eu pisarei as ruas novamente/do que foi Santiago ensangüentada/e numa formosa praça libertada/ficarei a chorar pelos ausentes)…
Seu repertório discográfico é imensamente vasto, e vá muito além de “hits” regravados até a exaustão. Tem bolero (“filin”), tem monodia acompanhada de cunho castrista, tem poesia latino-americana no gênero canção, tem latin-jazz, tem balada romântica, tem standards de jazz, tem son cubano. Tem parcerias: Pablo já cantou com… todo mundo que também amava o pão tanto quanto a beleza! (parafraseando a Chalena Vasquez) E é que todo mundo amava o Pablo. Ele era um querido. Era puro sentimento, refinadíssimo, perfumado como um “carta oro”, um rum cubano do mais puro alambique. E sim, a analogia é proposital. Haja tristeza para tanto homem que se foi.