Obra inédita de Radamés Gnattali é editada por violonista e pesquisador
(Radamés Gnattali)
Por Gilson Antunes
A comunidade dos violonistas foi surpreendida nesta semana com uma “nova” obra para violão de um dos maiores compositores da história da música brasileira: Radamés Gnattali (1906-1988). As aspas são explicativas. Trata-se de uma edição de três trechos isolados e inéditos do compositor gaúcho que, em uma imaginativa e elaborada organização, foram transformados em mais um Estudo para violão, a somar-se aos 10 já conhecidos anteriormente. Para que o feito tivesse êxito, o arranjador teria necessariamente que ter pelo menos três atributos específicos, além da coragem: conhecer bem o violão, conhecer bem recursos composicionais e conhecer bem Radamés Gnattali.
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O dono da façanha, o paranaense Luciano Lima, além de conhecer bem tudo isso, possui um outro atributo importante: é um excelente instrumentista, além de sério pesquisador. Essas características somadas foram fundamentais para a apresentação da “nova” obra, com um vídeo divulgado na segunda-feira (11/01), no qual se pode observar todos os fatos expostos em uma bela interpretação de Luciano, inegavelmente com a marca gnattaliana.
Façam o teste: assistam ao vídeo sem o áudio e vão perceber que o idiomatismo do violão está totalmente impregnado na música, com os recursos técnicos praticamente dentro do âmbito da mão esquerda. A sonoridade, ampla, se estabelece imediatamente, especialmente pelo eficiente uso das cordas soltas. Vê-se que o compositor não é qualquer um, e que a peça é realmente boa.
Um pouco sobre a história dessa obra e mais a nova versão do livro Radamés Gnattali e o violão de concerto, escrito por Luciano Lima, vão ser debatidos numa live que será transmitida pelos canais do Acervo do Violão Brasileiro (Youtube e Facebook), no dia 27 de janeiro, data de aniversário do compositor. O pesquisador e violonista vai mostrar uma série de novidades e será entrevistado por mim, pelo também pesquisador Jorge Mello e pelo produtor Alessandro Soares.
A estrutura da música – A B A - seguiu a de metade dos outros Estudos. Apesar da predominância dos arpejos, o arsenal de recursos inclui acordes repetidos, ligados, escalas, melodias em legato e harmônicos.
Luciano Lima explicou sucintamente a ideia da edição e já promete um artigo expandido para ainda esse ano, o qual já aguardamos com ansiedade. Mas já podemos antecipar algumas informações: os trechos utilizados referem-se a: Estudo XI (cuja dedicatória é para Dilermando Reis), o qual Gnattali deixou 5 pentagramas completos; Estudo XII (sem dedicatória no manuscrito), com apenas 1 pentagrama e meio esboçado e; Estudo XIII (também sem dedicatória na cópia manuscrita), com simplesmente toda uma primeira parte composta (correspondendo a 6 pentagramas). Além disso, Gnattali também deixou esboços de ideias nos Estudos II, III e VI. A dedicatória no Estudo VII também foi modificada do manuscrito (para Léo Soares) para a edição (para Carlos Barbosa Lima).
O Estudo inicia-se com o esboço (dois pentagramas) do que seria o Estudo XII, o que serviu tanto de introdução como de Coda. Em seguida a longa sequência em arpejos (Parte A) refere-se ao que seria o Estudo XI. A parte lenta (Parte B) que se segue refere-se ao que seria toda a primeira parte do Estudo XIII. Luciano estruturou a obra com uma volta à Parte A e Coda, como no Estudo III e outros.
No texto que divulgou nas mídias sociais junto com o vídeo, Luciano recorda que Radamés Gnattali escreveu os Dez Estudos para violão em 1967, quase dez anos depois de sua peça anterior para violão solo, Dança Brasileira. A capa do manuscrito mostra que a intenção inicial era ter uma série com vinte Estudos: "Estudos para violão, de I a X, Rio 1967 e de XI a XX, Rio. “No entanto, eu não tinha evidências de que Gnattali tivesse dado sequência a este projeto".
(Luciano Lima)
Mas em 2018 ele teve acesso a uma outra cópia do manuscrito dos Dez Estudos, com sete páginas a mais, fornecida por mim, que havia adquirido por meio do colecionador Ronoel Simões. “A julgar pela grafia, pelo estilo musical inconfundível e o tipo de papel, não há dúvidas quanto à autenticidade da autoria. Agora, o que fazer com uma descoberta como esta?”, pergunta ele.
Luciano prossegue: “ao mesmo tempo que fiquei muito entusiasmado com a perspectiva de uma peça inédita de Gnattali, tive receio por estar mexendo na música de outro compositor". Para isso, ele procurou o compositor e arranjador Sérgio Assad, que teve contato próximo com Gnattali e sua música. E, ainda segundo Luciano, Sérgio achou a ideia excelente. “O manuscrito original está quase ilegível e eu só pude confiar no que você anotou, pois não consegui ler os rascunhos do Radamés. Eu entendi a ligação que você fez entre os fragmentos e achei que dá certo... Isto é uma forma de tornar disponível mais uma coisa do querido ‘Rada’”, avalia Assad de acordo com Luciano.
O texto de Luciano informa ainda que ele estreou o Estudo XI em 8 de maio de 2019, no Sesc Paço da Liberdade, em Curitiba. Em seguida, no dia 18 de maio, em um recital na Basilica di Sant’Eustachio, em Roma, Itália.
Além da existência de pelo menos um manuscrito e de duas edições publicadas desses Estudos, é de conhecimento alguns bons trabalhos acadêmicos de pesquisadores como Ricieri Carlini Zorzal (também publicado em livro), Bartolomeu Wiese, Ledice Fernandes, Jairo Botelho Cavalcanti, Ubirajara Pires e Rodrigo Carvalho de Oliveira, além de outras teses e dissertações sobre o compositor (incluindo a do próprio Luciano Lima, defendida na Universidade de Montreal, Canadá).
De gravações integrais do ciclo, Marcus Llerena, Paulo Inda e Vitor Garbelloto fizeram registros importantes, com personalidades distintas que ajudaram a divulgar essas músicas. Outros registraram Estudos isolados, como Raphael Rabello (que gravou os Estudos I, V e VII) e vemos com prazer que novos violonistas estão divulgando bem mais as composições para violão desse compositor do que gerações anteriores, inclusive de quando Gnattali era ainda vivo.
Se observarmos que nenhum dos violonistas das dedicatórias sequer tocaram os Estudos a eles dedicados, Radamés Gnattali provavelmente estaria feliz com o reconhecimento que hoje em dia esse ciclo recebeu, inclusive com a edição de mais um deles por um dos mais estudiosos pesquisadores de sua obra para violão.