O Violão em São Paulo no Século XIX é tema de palestra musicada
(Flavia Prando)
Por Alessandro Soares
Um daqueles pioneiros do violão paulista bem singulares é um camarada chamado Theotonio Gonçalves Corrêa (1846-1892). Funcionário na repartição fiscal das estradas de ferro e inspetor de quarteirão, ele participou da primeira apresentação pública com violão registrada pela imprensa na cidade, lá em 1878. De sua autoria, ficou para a história temas como a mazkurka estilizada Recordação Saudosa, que estava completamente esquecida. Mas por causa da pesquisadora e violonista Flavia Prando, que a gravou em disco e lançou na bela coleção de partituras Violões na Velha São Paulo, tanto o autor como a peça estão voltando a circular.
Esta obra e seu personagem constam no programa de mais uma daquelas suculentas palestras musicadas que Flavia dará nesta quarta-feira (21/08), às 13h30, na Emesp Tom Jobim (Largo General Osório, 147, Luz, no centro de São Paulo). O tema é "O Violão em São Paulo no Século XIX". "A nossa viagem vai da cidade no período imperial, desde o surgimento da imprensa na cidade (1827), até o início do período republicano. Através de aportes bibliográficos, iconografia e partituras para piano e manuscritas, revela-se algo da sonoridade e das práticas envolvendo o violão na cidade no século XIX, antes do advento da fonografia e radiofonia", destaca.
No encontro, Flavia vai tocar num violão romântico do final do século XIX, de construção alemã. As antigas peças que ela apresentará incluem Lágrimas de Saudades, de Venâncio José da Costa Junior e O Céu do Paraná, de Leopoldo Silva. Esta palestra musicada faz parte do projeto Contos e Cantos do Violão em São Paulo, realizado pelo Acervo Violão Brasileiro e contemplado pelo Edital ProAc 2023
As condições apresentadas por São Paulo para o desenvolvimento da produção, difusão e recepção da música diferem sobremaneira das circunstâncias presentes na então capital federal, Rio de Janeiro, cuja produção serviu de base para a construção da historiografia musical no Brasil. Com o acesso ao mar dificultado pela serra do mar, até meados do século XIX, São Paulo era conhecida como o Arraial na Borda do Sertão, ou Arraial dos Sertanistas, e enfrentava restrições no acesso a materiais, a exemplo de instrumentos musicais, tintas e telas, sendo pouco atraente para a circulação dos artistas, em comparação ao frenesi da capital do Império. Esta situação foi atenuada com o advento da linha férrea, a partir de 1867. No entanto, isto não significa que a atividade musical paulistana fosse inexistente, ao contrário, ela se fazia presente com uma linguagem musical própria, como também ocorreu em outras regiões do país.
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As composições dos violonistas de São Paulo mostram sensíveis diferenças em relação aos choros cultivados no Rio de Janeiro, então capital federal. O quadro social e cultural da cidade que se modernizava rapidamente e ao mesmo tempo mantinha muitas de suas práticas rurais tradicionais, proporcionou o surgimento de uma genealogia poético-musical baseada em um imaginário que reunia nostalgia, melancolia e saudade, que foram externadas na produção instrumental local.
Vamos abordar as redes de sociabilidades desde o estabelecimento da Academia de Direito do Largo de São Francisco, até as primeiras décadas do século XX, tratando dos primeiros violonistas, primeiras composições e construtores do instrumento na cidade.