O luthier e violonista Cleyton Fernandes com uma ideia na cabeça e uma ferramenta nas mãos
(Cleyton Fernandes)
Por Elcylene Leocádio
Violonista, professor e luthier, Cleyton Fernandes mora há 10 anos em Juazeiro do Norte, sul do Ceará, onde é professor e tem a sua oficina de luteria. Nascido em São Paulo, em 2 de março de 1974, Cleyton é o terceiro filho de Cerides e Raimundo (já falecidos), tem duas irmãs e um irmão. É pai de Luzia, que vai completar 7 anos no próximo mês de em maio, para quem ele diz “estar sempre disponível”. Atualmente ele um dos mais comentados luthiers de sua geração, com seus violões sendo utilizados por grandes concertistas como João Luiz (do Brasil Guitar Duo), Mario Ulloa, Gustavo Costa, Edson Lopes, Swami Jr, Eduardo Meirinhos e Camilo Carrara.
No final de 2022, Cleyton doou ao Acervo Violão Brasileiro um instrumento Modelo Concert Lattice, top de linha de sua produção, que está sendo rifado para ajudar a custear a sustentação do site, que existe há mais de oito anos e não tem patrocínio, mas permite acesso grátis às centenas de conteúdos que gera e divulga.
Boa parte de sua influência musical vem da própria família. Aos cinco anos de idade, Cleyton já cantava na igreja, seguindo os passos da mãe e, aos nove, com o pai (que tocava violão e cavaquinho), aprendeu os primeiros acordes e começou a tocar. Por volta dos 15 anos, decidiu ser músico profissional, fez vestibular para o curso de música e entrou na Universidade Estadual Paulista (UNESP), em 1993.
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Ainda no início da faculdade, em 1994, em Campos do Jordão (SP), Cleyton teve o primeiro encontro com Paulo Bellinati. Anos mais tarde voltaram a se encontrar, quando estudava os Afro-sambas para o concerto do doutorado. Desde então, eles têm realizado projetos juntos.
Sua discografia se resume a um CD solo, Recital, com obras escolhidas pelo interesse afetivo. Nesse campo, gravar a música de Bellinati é uma intenção que permanece, embora a gravação de CDs não lhe pareça tão favorável na atualidade.
Da universidade para a luteria
A sólida carreira acadêmica de Cleyton Fernandes inclui mestrado e doutordo em Semiótica (USP), doutorado em Música (UNESP), pós-doutorado em Música (UFBA) e atua como professor de Licenciatura em Música na Universidade Federal do Cariri (UFCA), trabalho que ocupa a maior parte do seu tempo.
Até poucos anos atrás, sua carreira se dividia entre a atividade de concertista e a de professor. Mas nesse percurso, em um dado momento veio à tona o interesse pela luteria. E em cerca de cinco anos, seus violões já estão nas mãos de músicos experientes e de grande relevância no cenário musical brasileiro.
Segundo Cleyton, a vontade de construir um violão foi um “acontecimento que surgiu de repente” e o desejo de investir em ferramentas veio junto, virando uma obsessão, um “pensamento monotemático.” Mas não se pode deixar de assinalar que para construir violões tão bem recebidos no rigoroso meio violonístico popular e erudito, é preciso mais que uma ideia na cabeça e uma ferramenta nas mãos. E ele tinha, não apenas uma, mas várias cartas na manga.
(Cleyton Fernandes)
Senai e primeiros violões
Os pais queriam que o filho fosse engenheiro e ele próprio gostava e tinha muita afinidade com design e mecânica. Assim, aos 14 anos já estava matriculado no Senai, onde fez o curso profissionalizante, o de torneiro-mecânico e o de ferramentaria. Ali adquiriu uma base sólida que lhe deu condições para ir além do interesse pela mecânica das motos (um hobby) e mais adiante construir o seu primeiro violão e dar os primeiros passos em direção ao inevitável (e profundo) mergulho na luteria.
O segundo violão que produziu - que ele considera o primeiro porque o fez “valendo” - foi vendido ao violonista Fabrício, de Juazeiro do Norte. Cleyton diz que o músico usa bastante este violão. É importante para ele (como deve ser também para todo luthier) que seus instrumentos não fiquem guardados no armário, que sejam usados, que circulem. E ele trabalha para ver seus violões com qualidade para estar nas mãos dos melhores violonistas do Brasil e do mundo.
Pesquisa científica
A formação acadêmica e o preparo para a pesquisa também facilitaram o aprendizado e a prática da luteria. Muita coisa ele estudou só, assistindo vídeos. Mas Cleyton afirma que também aprendeu muito na convivência com os amigos luthiers, como Regis Bonilha, por exemplo, com quem passou uns dez dias observando o seu trabalho.
Poucos meses após se iniciar na luteria, ele fez uma série de 10 violões para pessoas próximas, na linha tradicional. Só depois passou a investir na pesquisa e produção de violões com a tecnologia “lattice”. À pergunta se é um pioneiro nessa área, ele responde que não, que a técnica não é segredo para ninguém e muitos luthiers antes dele já faziam violões lattice (treliça, em português). Talvez o seu trabalho se diferencie na maneira como ele usa os elementos que caracterizam essa tecnologia.
Cada violonista tem demandas próprias
Cleyton, como outros luthiers, destaca a importância da qualidade do trabalho em si, mais até do que a escolha de uma técnica específica. Não é porque um violão foi feito com base nos tradicionais modelos Torres ou Hauser que ele é o melhor para todos e todas os(as) violonistas.
Explorando esse tema, ele faz uma analogia entre a compra de um violão e de um carro. Para o violonista não interessa exatamente o que tem lá dentro da caixa, mas se ele funciona “para ele”, se lhe permite tirar o som que deseja, se é bom para o seu trabalho. “Quando a gente compra um carro quer que ele atenda às nossas necessidades”. O violonista busca isso também. O rótulo ou o modo de construção, às vezes não vem muito ao caso. Assim, o julgamento final é da pessoa que toca e está escolhendo um violão.
Tradição x novas possibilidades
Cleyton entende que se um(a) violonista só gosta de um determinado tipo de violão, tradicional ou não, de certo modo ele se fecha a outras possibilidades. Esse não é o seu caso, pois é um violonista que respeita os modelos tradicionais e ao mesmo tempo está aberto às novas possibilidades. E isso se materializa na escolha da tecnologia lattice para fabricar os violões que assina, que está ligada à sua vivência de músico, concertista e pesquisador.
Em Bruxelas, onde morou seis meses, ele experimentou e ficou muito bem impressionado com os violões australianos e com os “double top” europeus. E foi à Austrália, onde passou três dias inteiros na casa de um dealer experimentando violões.
Além disso, ele via grandes violonistas usando violões não tradicionais, como David Russel, Manuel Barrueco e John Williams.
Uma pergunta em busca de resposta
Na Europa, eles são muito receptivos aos contemporâneos e raramente usam os modelos tradicionais. O espírito de pesquisador o intimava a buscar respostas para questões como: se grandes nomes como John Williams, Manuel Barrueco e David Russell tocam num violão assim, por que no Brasil esse tipo de instrumento era negligenciado?
Cleyton acredita que embora as diferenças técnicas sejam bem grandes, não existe um som específico para um determinado modelo de violão. Este som, a projeção sonora, o que ele pode oferecer se modela na relação de quem toca (com a sua formação, suas preferências, estilos, história, gosto pessoal, etc.) com o instrumento.
Violão como centro do trabalho
O violão é o ponto de encontro e de partida das três atividades de sua carreira singular. À parte o trabalho de professor, com seu ritmo próprio e constante, as demais caminham em ondas, ocupando mais ou menos espaço em sua cabeça, exigindo mais ou menos tempo e atenção. O fato é que ele gosta de todas e não está em seus planos abandonar nenhuma delas.
(Cleyton Fernandes e Paulo Bellinati)
Em determinados momentos uma ou outra atividade fica mais em evidência, como se deu durante as apresentações na Europa em parceria com o violonista e compositor Paulo Bellinati. Ali o concertista tomou a cena. Já nos últimos anos, a luteria está na linha de frente, embora o desejo de voltar aos concertos esteja sempre presente.
Como se organizar em tantas frentes
Muitos de nós que o conhecemos, perguntamos: como é possível trabalhar em tantas frentes mantendo a qualidade que Cleyton imprime ao seu trabalho? Esta parece não ser uma questão para ele, que se considera uma pessoa “relativamente” disciplinada, que define suas metas e segue uma rotina diária que começa cedo e termina tarde.
“Eu tenho a sorte de ter um ajudante, um parceiro que está há três anos comigo e adianta várias etapas do violão pra mim’. Mas, mesmo assim, ele acompanha todas as etapas e trabalha regularmente uma média 10 a 12 horas por dia. Às vezes mais, mas procura garantir que isso não lhe traga dificuldades e que o dia a dia se mantenha prazeroso. E isso ele tem conseguido.
A carreira de Cleyton Fernandes como luthier tem cinco anos e seus violões são – reconhecidamente - um sucesso. Ao falar do assunto, ele destaca a alegria de ver alguém que admira muito, ou há muito tempo, tocando um violão feito por ele: “é um certificado de qualidade um grande violonista escolher um violão meu”.
Novos projetos
Nos projetos atuais, para 2023 está a volta aos palcos, o que já está em curso. Como luthier, além da ideia de fazer alguns cavaquinhos para ver como funciona, os seus planos incluem ampliar o alcance de seus instrumentos fora do Brasil e alcançar um padrão de qualidade que coloque os seus violões entre os melhores do mundo.
Observando o seu movimento, percebe-se também um lado empreendedor. Cleyton promove reuniões entre amigos, produz um festival no Juazeiro do Norte, planeja levar o debate sobre a luteria brasileira aos encontros de violonistas, tocar e incluir nesses eventos algo como uma mostra de violões envolvendo outros colegas luthiers.