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O legado do compositor Edino Krieger para o violão

Postado em Artigos em 08/12/2022

Edino Krieger e seu legado para o violão - Foto: Edino Krieger

(Edino Krieger)

Por Thiago Kreutz*

(Especial para o Acervo Violão Brasileiro)

Na manhã de quarta-feira (07/12) recebi a triste notícia do falecimento do maestro Edino Krieger, ocorrido na noite anterior (06 de dezembro). Edino foi uma dessas pessoas raras, as quais costumamos nos referir como gênios. Dotado de grande senso estético, sensibilidade musical, domínio da técnica, criatividade, e capacidade de comunicação, consagrou-se como um dos mais destacados compositores brasileiros da sua época e de todos os tempos.

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Suas obras enriqueceram de forma significativa o repertório para diversas formações vocais e instrumentais. Sua estética é representativa das práticas musicais da segunda metade do século 20 e 21, sendo que perpassa por diversas técnicas, vertentes e estilos composicionais, como dodecafonismo, tendências nacionalistas, neoclassicismo, vanguardas do pós-guerra, etc.  Obras como Ludus Symphonicus para orquestra (1965); Estro Harmônico para Orquestra (1975); Divertimento para Cordas (1959); Ritmata para Violão (1974); Canticum Naturale para soprano e orquestra (1972); Terra Brasilis, para orquestra (1999); Estudos Intervalares para Piano (2001), são excelentes representantes da estética do compositor.

Edino Krieger e seu legado para o violão - Foto: Edino Krieger, regendo

(Edino Krieger regendo a Orquestra Sinfônica Nacional)

Cabe-se, também, destacar a sua contribuição para a produção, crítica e divulgação da música brasileira, uma vez que foi idealizador de eventos como Concursos Corais do Jornal do Brasil, Festivais Guanabara e Bienais da Música Brasileira. Atuou também como crítico musical do Jornal do Brasil e Tribuna da Imprensa e diretor de instituições ligadas à música, como a Academia Brasileira de Música.

Embora não fosse violonista de formação, Edino Krieger deixou um importante legado para o instrumento. Compôs cinco obras para violão solo: Prelúdio (1955), Ritmata (1974), Romanceiro (1984), Passacalha para Fred Schneiter (2022) e Alternâncias (2008), além do Concerto para 2 violões e orquestra de cordas (1994), Suíte Concertante para violão e orquestra (2005) e Sonâncias IV (2002), para violino e 2 violões.  Essas obras foram compostas ao longo de 53 anos, passando por três dos quatro períodos composicionais do compositor.

Dessa considerável produção para o instrumento, cabe um destaque para a Ritmata, que é hoje a sua obra mais difundida, já estando plenamente incorporada no repertório do violão clássico ao redor do mundo. A obra foi composta em 1974, fruto de uma encomenda do violonista Turíbio Santos, e apresenta diversas características inovadoras e marcantes para a época, como percussões nas cordas e tampo do instrumento, efeitos variados, exploração do idiomatismo do violão, harmonia dissonante, vigor rítmico, etc.

Por diversas razões, a Ritmata é considerada uma das obras brasileiras para violão mais importantes da segunda metade do século 20. Foi dedicada a Turíbio Santos, que estreou em 03 de dezembro de 1974 em Paris. O compositor revelou que o violonista o auxiliou, passando uma tarde expondo as características técnicas do violão. Edino Krieger afirmou que tentou fazer uma obra com vigor, rítmico, mais ou menos como as tocatas de Prokofiev. Na verdade, a obra foi inicialmente intitulada Toccata para violão. O nome Ritmata foi sugestão de Turíbio, por considerar a riqueza rítmica da obra.

O Prelúdio (1955) foi a sua primeira composição para violão. Escrito no período em que compositor se encontrava na Inglaterra, foi dedicado a seu pai (o maestro Aldo Krieger). Segundo o compositor, foi uma primeira tentativa de colocar no papel algumas ideias que tinha com o instrumento, mais ou menos na linha dos Prelúdios de Villa-Lobos.

O Romanceiro se apresenta como obra de caráter didático. De escrita modal, remete à sonoridade da música tradicional nordestina. A primeira parte foi criada como trilha para uma dramatização sobre os poemas Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles em 1968. Em 1984 o compositor escreveu a segunda parte e dedicou ao seu filho mais velho (Eduardo Krieger), que estudava violão na época.

Edino Krieger e seu legado para o violão - Foto: Edino Krieger, criança

(Edino Krieger, ainda era criança com seu violino)

O Concerto para Dois Violões e Orquestra de Cordas foi escrito em 1994 por encomenda da gravadora GHA da Bélgica. Escrito em três movimentos, Toccata, Sonares e Volatas, foi dedicado ao Duo Assad. A gravação foi realizada pelo duo com a Orquestra de Córdoba regida por Leo Brouwer, em 1998. Figura como uma importante obra para essa formação.

A Passacalha para Fred Schneiter foi escrita em 2002, como peça de confronto para os finalistas do 1º Concurso Nacional de Violão. A obra homenageia postumamente o violonista e compositor baiano Fred Schneiter (1959 – 2001) que falecera de maneira precoce em 2001. Consistindo em uma série de variações sobre um tema no baixo, típico da passacalha, explora conjuntamente elementos modernos, tradicionais e brasileiros.

Sonâncias IV, consiste em uma das transcrições que o compositor realizou de Sonâncias II, obra com estética de vanguarda original para violino e dois pianos. Esta versão, concebida para violino e dois violões, foi dedicada ao Duo Assad e à violinista Nadja Salermo Sonnenberg.

Alternâncias foi escrita como peça de confronto para a final da VI Seleção de Jovens Talentos da AV-Rio, em 2008. A obra alterna várias células musicais que formam uma espécie de mosaico. Como característica a obra apresenta linguagem contemporânea, como, harmonia cromática, vigor rítmico, indeterminações rítmicas e ausência de barras compasso.  

Edino Krieger e seu legado para o violão - Foto: Edino Krieger, 1972

(Edino Krieger em 1972)

A Suite Concertante, para violão e orquestra foi escrita em 2005, a pedidos de Turíbio Santos. A obra, que inicialmente seria um concerto para violão e orquestra, por solicitação do violonista, foi concebida como suíte. É constituída de três movimentos: Choro, Toada e Jongo.

Com um simples olhar já se pode ter noção da relevância da obra que Edino Krieger deixou para o violão, seja pela qualidade técnica, inovações diversas e apurado senso estético. Este repertório, apesar de se apropriar do idiomatismo do instrumento de maneira exemplar, é um verdadeiro desafio para qualquer violonista. A partir de hoje permanecemos com o seu legado e com a certeza de que a sua obra segue viva.

 

*Thiago KreutzMestre em Música pela Universidade Federal de Goiás (2014), é violonista, pesquisador e professor. Já venceu vários concursos e participou de diversos festivais no Brasil e no exterior. Na pesquisa se destaca sobre o tema do ensino do violão e a produção brasileira contemporânea para o instrumento com ênfase na obra de Edino Krieger. Integra os grupos Camerata Violões de Porto e Duo Cantilena (com a Soprano Cynthia Barcelos).

      

Referências

KRIEGER, Edino. Aula Inaugural da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro por ocasião dos 80 anos do compositor Edino Krieger. Revista Brasileira de Música, Rio de Janeiro, v.24, n.2, p. 413-423, Jul./Dez. 2011.

KREUTZ, Thiago de C. A música para violão solo de Edino Krieger: um estudo do idiomatismo técnico-instrumental e processos composicionais. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música. Goiânia: UFG/EMAC, 2014.

LIMA, Marco Antônio Corrêa. Estudo Comparativo das interpretações de Alternâncias de Edino Krieger, para violão solo. Dissertação de Mestrado. Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2010.

MACIEL, Michel Barboza. Ritmata de Edino Krieger: uma reflexão sobre processo vanguardistas na literatura do vilão brasileiro. Dissertação de Mestrado. Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, 2010. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

________________________. A Ritmata de Edino Krieger: uma obra brasileira?.

Artefilosofia, Ouro Preto, n.8 p. 181-192, 2010.

PAZ, Ermelinda A. Edino Krieger: crítico, produtor musical e compositor. v.1 e 2. Rio de Janeiro: SESC, Departamento Nacional, 2012.

ULLER, Andrei Jan Hoffmann. Passacalha para Fred Schneiter de Edino Krieger: uma abordagem analítico-interpretativa. Monografia. Escola de Música da Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: UDESC, 2012.

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