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Músicas inéditas de Armando Neves são reveladas pela violonista Paola Picherzky 

Postado em Lives de Violão em 02/12/2022

Músicas inéditas de Armando Neves são reveladas pela violonista Paola Picherzky - Foto: Paola Picherzky 

(Paola Picherzky em cena do recital online dedicado a Armando Neves)

Por Alessandro Soares

Toda vez que a violonista e pesquisadora Paola Picherzky lança um projeto de violão solo é sempre bom ficar atento. Desde os anos 2000, ela é a única musicista a estudar a fundo e a revelar obras do compositor Armando Neves (1902-1976), que nesta semana (em 28 de novembro) completou 120 anos de nascimento. A efeméride está passando em brancas nuvens, assim como o centenário de Luiz Bonfá. Mas Paola nos brinda agora com 10 ótimas músicas inéditas de Armandinho. 

As peças foram lançadas no recital online Armando Neves: uma história musical, que estreou em 17 de novembro no site Cultura Em Casa, do Governo de São Paulo, em projeto foi contemplado pelo edital do Proac. Mesclando solos com depoimentos de histórias e curiosidades, Paola apresentou preciosidades como a Cantiga nº 2, Divertimento, Mazurca, Mazurca 2, Prelúdio 4, Prelúdio 8, Tempo de Gavota e Valsa n. 8.

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Músicas inéditas de Armando Neves são reveladas pela violonista Paola Picherzky 

Como os próprios títulos sugerem, essas peças vão além do choro e dialogam com o universo clássico, mas com toda a assinatura de Armandinho. “Depois que gravei o segundo CD dedicado a ele, em 2015, eu sabia que havia mais peças inexploradas que poderia estudar e montar repertório. Quando surgiu a ideia desse projeto, fui ao arquivo e selecionei 11 peças. Uma delas, chamada Improvisação, é composição do Geraldo Ribeiro em homenagem ao Armandinho. É bem diferente, bem bonita, e resolvi incluir", informa Paola em depoimento ao Acervo.

Paola fez um roteiro de recital comentado, com várias informações sobre o mestre. “No mundo atual das plataformas digitais, perdemos os dados que antes constavam nos encartes dos disco. É como se tivéssemos voltado à década de 1940, com aqueles discos de 78 rpm, sem encartes, só contendo música. Mas nesse projeto faço um panorama de quem é esse personagem”.

Músicas inéditas de Armando Neves são reveladas pela violonista Paola Picherzky - Foto: Armando Neves

(Armando Neves)

No programa, Paola cita as pessoas que a ajudaram na pesquisa de mestrado, como o bandolinista Isaías Bueno, Guta do Pandeiro e o jornalista e pesquisador Colibri, o guardião do legado e documentos sobre Armando Neves, e que cedeu o conteúdo para a violonista. Paola menciona a ainda o papel histórico de Geraldo Ribeiro, que transcreveu diversas partituras do amigo compositor - este não escrevia por música e, quando morresse, iriam desaparecer as mais de 70 obras que criou. Foi Geraldo e o empenho de outros colegas que salvaram essas peças. Foi também Geraldo o primeiro a gravar um disco só com peças de Armandinho.   

Ao longo do recital online, Paola descreve o perfil de Armandinho, desde quando jogava futebol profissionalmente - chegando a fazer parte do Corinthians - e a decisão de se dedicar exclusivamente à música nos anos 1920, quando tocava em cinemas, circos e emissoras de rádios. “Em 1931 teve um concurso realizado pela Rádio Educadora, junto com o jorna A Gazeta. Os ouvintes dessas rádios mandavam cartas para eleger os melhores instrumentistas e Armando Neves foi contemplado com o segundo lugar.”, descreve ela no filme.

Músicas inéditas de Armando Neves são reveladas pela violonista Paola Picherzky - Foto: Antônio Rago, Zezinho e Armando Neves

(Foto exibida no recital online de Paola Picherzky. Embaixo, com os violões, Antônio Rago, Zezinho e Armando Neves)

Exibindo fotos raras e recortes de jornal, Paola mostra que Armandinho teve o primeiro registro profissional na Rádio Record, para a qual passou a integrar o primeiro regional. Em pouco tempo, o grupo musical passou a se chamar Regional do Armandinho. E trabalhou na emissora até 1960. Durante todo esse tempo, ele acompanhou os principais cantores e cantoras da época e apadrinhou vários músicos, como Antônio Rago, Garoto (Aníbal Augusto Sardinha) e o sambista Mário Ramos, conhecido como Vassourinha (1923-1942). Cada história contada é pontuada pelas peças inéditas, todas muito bonitas, delicadas e de curta duração. 

Paola filmou em três lugares diferentes. “Fizemos locação no Lar das Crianças, na Faculdade Santo Marcelina e na casa de velhinhos Ondina Lobo, onde Armando Neves tinha alguma ligação e para onde ele doou a arrecadação dos direitos autorais. Visitar aquele lugar foi superbacana e bem forte pra mim”, afirma ao Acervo.

Músicas inéditas de Armando Neves são reveladas pela violonista Paola Picherzky - Foto: Paola Picherzky 

(Paola Picherzky em cena do recital online dedicado a Armando Neves)

Na equipe do projeto, Paola ficou responsável pela produção musical e direção artística (pesquisa, concepção e interpretação das peças. Rubens Adatti fez a captação de áudio. Rodrigo Pereira fez o roteiro, gravação e edição audiovisual e Claryssa Pádua ficou com a produção executiva. 

O vídeo Armando Neves: uma história musical, portanto, dá continudade ao papel de Paola como biógrafa e principal intérprete de compositor atualmente, somando ao todo 41 músicas, incluindo as não inéditas. O primeiro CD de Paola é o 18 Choros de Armando Neves (2004), seguido por Armando Neves: Outras Composições (2015).

Primeiras gravações

Antes de Paola, quem havia lançado peças de Armandinho foi Paulo Barreiros, no LP Violão Amigo, de 1959, interpretando Guru, Doloroso e Sempre Em Meu Coração. Naquele mesmo ano, Aymoré entrou em estúdio com sete obras do compositor no disco Aymoré e Seu Violão. São elas: Soluços de Virgem, Colibri, Amar em Segredo, Galho Seco, Mafuá, Quebrando o Galho e Rosas Orvalhadas. Já em 1970, foi a vez de Geraldo Ribeiro dedicar um LP inteiro com 12 músicas de Armandinho, incluindo O Dono da Bola, Canção Para Adormecer, os Choros nº 1, 2, 3, 4 e 5, Valsa nº 3, entre várias outras.   

Já em 1977, um ano após a morte de Armandinho, o violonista Celso Machado gravou o Choros nº 2 em seu LP Brasil Violão. Em 1978, o Clube do Choro de São Paulo produziu o LP Armandinho Neves, reunindo 12 violonistas, entre eles Paulinho da Viola, Paulinho Nogueira, Antônio Rago, Aymoré, Vital Medeiros e Francisco Araújo.  

Após o lendário LP, a impressão que dá é que a música de Armandinho ficou de fora dos discos por uma década e meia. Aí na Era do CD, em 1993, Paulo Bellinati registrou Bem Rebolado no álbum Serenata. Enquanto Leandro Carvalho, sete anos mais tarde, interpretou as parcerias de Armandinho com João Pernambuco, Pinheirada e Serrano no disco Descobrindo João Pernambuco, em 2000.

Exceto essas gravações pontuais, e num intervalo longo de anos,  quem de fato se debruçou a produzir discos tocando somente peças de Armandinho foi Paola, a partir de 2004. Aos poucos a obra do mestre foi sendo mais reconhecida. Em 2010 o escocês David Russell gravou Choro nº 2 e Valsa nº 3 no disco Sonidos Latinos (2010). E Yamandu Costa deu sua versão particular de Armandinho com o choro Mafuá, que dá título ao CD que lançou em 2008 na Alemanha e que no Brasil chegou em 2011.   

Para os 120 anos de nascimento do compositor paulista, quem sabe surge mais algum projeto robusto? 

A obra de Armando Neves foi catalogada originalmente por Olavo Nunes Rodrigues, que Paola Picherzky divide em três fases: a primeira entre 1925 e 1928, a segunda entre as décadas de 1930 e 1940 e a terceira, de 1950 a 1973 (ano de sua última composição). Agora esperamos que Paola transforme essas novas peças também em disco e, melhor ainda, num álbum de partituras. Não é nada fácil, ainda mais pela falta de patrocínio. Mas só Paola para seguir adiante. E o Acervo Violão Brasileiro quer estar junto. 

 

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