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Música inédita de Garoto é descoberta por pesquisadores e lançada pelo Acervo Violão Brasileiro

Postado em Coluna Jorge Carvalho de Mello em 03/03/2021

Música inédita de Garoto é descoberta por pesquisadores e lançada pelo Acervo Violão Brasileiro - Foto: Garoto e Radamés Gnattali

(Garoto e Radamés Gnattali, foto publicada no Diário de Notícias, 29 de novembro de 1944)

Por Jorge Carvalho de Mello

Escrevo estas linhas para falar de dois gênios da música brasileira: Aníbal Augusto Sardinha (Garoto) e Radamés Gnattali. E anunciar uma grande descoberta: uma música inédita do Garoto! A peça foi composta em homenagem a seu grande amigo e incentivador Radamés. Faremos abaixo um breve resumo da história em comum desses dois grandes nomes e mostrar como eu e o professor e violonista Luciano Lima descobrimos esta peça, que se chama Radamés, lançada nesta quarta-feira (03/03) em vídeo com exclusividade para o Acervo Violão Brasileiro.

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O ingresso de Garoto na Rádio Nacional, no final de1942, representou uma nova fase em sua já vitoriosa carreira. Seu contato com o compositor, pianista e maestro Radamés aconteceu de forma imediata, com grande afinidade musical e amizade entre eles.

Na Nacional, Garoto mergulhou de forma intensa no universo dos arranjos, tendo Radamés como mestre. Muitos são os registros em seu diário de músicas em que ele fazia os arranjos e que eram apresentadas no programa Um Milhão de Melodias, com orquestrações de Radamés. Garoto mostrava sempre ao mestre suas composições ao violão, como que pedindo sua aprovação, a qual certamente vinha de imediato.

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A amizade entre eles era tamanha que Garoto comprou um sítio vizinho ao do Radamés em Areal, na região serrana do Rio de Janeiro. Fascinado pela tranquilidade daquele lugar, que era para ele “maravilhoso e ideal para o repouso”, lá ele compôs páginas memoráveis, como Chora Fafá e Luar de Areal. Por sinal, já lançamos o Chora Fafá em vídeo aqui mesmo pelo Acervo, durante uma live em novembro de 2020. 

Radamés dedicou a Garoto o seu Concertino nº 2 para violão e orquestra, e este foi apresentado no Theatro Municipal em 31 de março de 1953, sendo a orquestra sinfônica daquele teatro regida por Eleazar de Carvalho e tendo como solista Garoto.

Assim Garoto se tornou o primeiro violonista brasileiro a se apresentar com orquestra naquele templo sagrado. Uma grande honra e um feito incrível, se levarmos em conta que ele continuava tocando todos aqueles instrumentos, a saber: bandolim, banjo, cavaquinho, guitarra havaiana, guitarra portuguesa e violão tenor, tanto nos programas da Rádio Nacional quanto em inúmeras gravações, além dos bailes e boates em que tocava para engrossar seu orçamento.

Música inédita de Garoto é descoberta por pesquisadores e lançada pelo Acervo Violão Brasileiro

(Última foto de Garoto, em 2 de maio de 1955, no apartamento de Radamés Gnattali (na flauta), com Chiquinho do Acordeon e Billy Blanco (em pé, no pandeiro). Crédito: arquivo particular Jorge Mello

Nos sítios em Areal, Garoto e Radamés tocavam por prazer nos saraus que organizavam. Garoto ao violão e Radamés na flauta. Este dizia: “eu era o pior flautista, mas acompanhado pelo melhor violonista". Na última foto de Garoto, tirada na véspera de sua morte, aparece Radamés na flauta, Billy Blanco no pandeiro e Chiquinho no acordeom.

Com tanta história juntos, sentia-se a falta de uma homenagem de Garoto a Radamés. Essa era uma pergunta que muitos se faziam. Agora vem a descoberta, que está relacionada à pergunta feita acima. Passo a palavra ao violonista, professor e pesquisador, especialista em Radamés, Luciano Lima:

Por conta das minhas pesquisas sobre Radamés Gnattali, tenho mantido contato com Jorge Mello há alguns anos, desde que li seu livro Gente Humilde – Vida e Música de Garoto (2012). Ele tem contribuído de maneira decisiva com materiais que nos ajudam a compreender melhor a colaboração entre Gnattali e Garoto.

Música inédita de Garoto é descoberta por pesquisadores e lançada pelo Acervo Violão Brasileiro - Foto: Jorge Mello

(Jorge Mello)

Recentemente Jorge me escreveu perguntando se eu tinha conhecimento de um choro de Garoto intitulado Radamés. Ele havia encontrado uma informação no acervo de Hermínio Bello de Carvalho sobre uma participação de Radamés e Nelly Gnattali em um programa, em 1970, no qual tocaram este choro de Garoto (em tempo, Radamés e Nelly gravaram o LP Piano Duo pelo selo Codil, em 1967, mas esta peça não consta no repertório).

Respondi que isso era novidade para mim e que iria buscar mais informações. Coincidentemente, na mesma semana eu estava em contato com Roberto Gnattali, maestro e sobrinho de Radamés, e aproveitei para perguntar sobre esta partitura. Nesse meio tempo fiz algumas buscas e um dos resultados foi a página do Instituto Moreira Salles.

Ao pesquisar as palavras-chave no acervo de música do IMS, qual não foi a minha surpresa quando me deparei com a imagem de uma partitura manuscrita para piano solo com o título Radamés arquivada na Coleção Baden Powell. O nome do compositor não estava fácil de identificar, talvez por isso não constasse na descrição do documento, mas imediatamente reconheci a letra e vi que aquele ‘rabisco’ dizia ‘Garoto’.

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A forma de sublinhar o título era muito semelhante à outra partitura que Jorge Mello havia me enviado anos antes, o manuscrito de uma transcrição para violão de Garoto da valsa Vaidosa, de Gnattali. Mais do que isso, ao tocar o que estava nesta partitura a música revelava Garoto em sua plenitude. Não havia dúvidas. Este era o choro que procurávamos!

O cromatismo descendente dos baixos com acordes invertidos e diminutos, presentes em peças como Tristezas de um Violão ou Carioquinha, caminhos harmônicos que lembram a valsa Naqueles Velhos Tempos, além dos desenhos melódicos característicos de Garoto. É um choro em duas partes e o que chama a atenção é justamente a parte B, cujo início é idêntico aos primeiros compassos de Alma Brasileira, um choro de Gnattali para piano, de 1930. Aliás, esta peça também deve ter inspirado Garoto ao escrever Gente Humilde. Basta comparar com o início de Alma Brasileira, que tem inclusive a mesma tonalidade.

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Fiquei extasiado! Na mesma hora, passei o choro Radamés para o Finale e mandei um áudio para Jorge Mello. Não é todo dia que nós temos a chance de ouvir uma música nova de Garoto. Na partitura original, no canto superior esquerdo, está escrito ‘Piano’ e ao lado ‘para violão’. Até o momento não sabemos se Garoto chegou a escrever uma versão para violão, mas não pude resistir e fiz uma transcrição para violão solo.

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Preferi transpor para Ré maior (o original para piano está em Mi maior). Desta maneira a segunda parte fica na mesma tonalidade de Alma Brasileira e Gente Humilde, em Sol maior. Em seguida, Roberto Gnattali me enviou o arranjo para dois pianos de Radamés. Ali o nome do compositor estava claro, ‘Garoto’, e o conteúdo conferia com a partitura do IMS. O arranjo mantém a mesma forma e a mesma tonalidade, mas com alguns temperos típicos do estilo de Gnattali”.

Luciano Lima nos entrega, em primeiríssima mão, sua bela transcrição para violão solo da peça inédita de Garoto, o choro Radamés, onde se sobressaem suas virtudes como intérprete e arranjador, realçando ainda mais a belíssima peça de Garoto. Brevemente, esta peça será apresentada em outro vídeo por Luciano Lima (violão 6 cordas), Henrique Gomide (piano) e Domingos Teixeira (violão 7 cordas).

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