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Morre Sérgio Abreu, o mais famoso luthier brasileiro e um dos mais brilhantes violonistas clássicos da história

Postado em Luthiers e violões em 19/01/2023

Morre Sérgio Abreu, o mais famoso luthier brasileiro e um dos mais brilhantes violonistas clássicos da história

(Sérgio Abreu na casa da violonista Maria Haro, novembro 2018 - crédito: Elisa Gaivota / Acervo Violão Brasileiro)

Por Elcylene Leocádio e Alessandro Soares

Um cometa rasgando os céus em grande velocidade, deixando atrás de si um rastro de luz a se perder de vista. Assim foi o intenso, impactante e luminoso movimento do violonista e luthier carioca Sérgio Abreu no universo da música. Ele morreu nesta quinta-feira (19/01), por volta das 18h, aos 74 anos. Sérgio Abreu era o mais famoso luthier brasileiro e um dos mais brilhantes violonistas clássicos da história. Um artista genial nos dois ofícios aos quais se dedicou ao longo de sua vida. Um homem reservado, acolhedor e generoso. Uma pessoa sem afetação, despreocupada com o mundo externo e suas vaidades, que vivia dentro de si, plenamente.

No final de dezembro, Sérgio foi internado no Hospital Adventista do Silvestre, no Rio de Janeiro, com problemas pulmonares. Mas a situação se agravou bastante. Amigas e amigos, como as violonistas Maria Haro e Vera de Andrade e o luthier e escritor Ricardo Dias, o acompanharam em seus últimos dias com muita dedicação e carinho.

Para o violonista e professor da Unicamp, Gilson Antunes, que escreveu o verbete sobre os irmãos Sérgio e Eduardo Abreu para o Acervo Violão Brasileiro, o Duo Abreu foi o maior duo do violão mundial de sua época, e se consagrou entre os melhores do mundo todos os tempos.

Morre Sérgio Abreu, o mais famoso luthier brasileiro e um dos mais brilhantes violonistas clássicos da história

(Sérgio Abreu tocando piano - Arquivo particular Ricardo Dias)

“Os discos dos Abreu nunca foram lançados em CD, nem constam em aplicativos de streaming como Spotify e Deezer. E existem pouquíssimas e breves imagens deles em vídeo. Apesar de tal ausência no mercado fonográfico, são venerados por violonistas dos quatro cantos do planeta, do Brasil à Austrália, dos Estados Unidos à Inglaterra. Nesse último país, são considerados mitos do violão, pelas históricas apresentações, as gravações para a Rádio BBC e as masterclasses ministradas em importantes estabelecimentos musicais”, afirma.

Gilson destaca ainda que no Brasil, Sérgio e Eduardo também representam referências máximas. “As novas gerações, por meio da internet e do compartilhamento digital dos discos, também aprenderam a admirar a destreza técnica e o amadurecimento prematuro desse duo. Não por acaso Sérgio Abreu se tornou um mito e sua trajetória, uma das mais fascinantes na história do violão.

Morre Sérgio Abreu, o mais famoso luthier brasileiro e um dos mais brilhantes violonistas clássicos da história

(Eduardo e Sérgio Abreu - arquivo particular Ricardo Dias)

Segundo Ricardo Dias, biógrafo de Sérgio Abreu, o seu método era “estudar MUITO”. Meticuloso, perfeccionista, jamais parou de pesquisar e aperfeiçoar o seu trabalho. E estudar, desde pequeno, nunca foi um fardo, uma obrigação, mas algo que lhe fazia esquecer do tempo, do passar das horas, um vício, uma obstinação. Repetia os movimentos sem cessar até ficar satisfeito. O grande talento não foi motivo para estudar pouco e as dificuldades a serem superadas também não.

Família

Sérgio Rebello Abreu nasceu em 5 de junho de 1948, no Rio de Janeiro. O pai, Osmar Abreu era violonista e integrou a Orquestra de Violões de Dilermando Reis; a mãe, Maria de Lourdes Rebello Abreu era pianista e violonista amadora. O avô Antonio Rebello, um dos principais professores de música do Brasil entre os anos 1950 e 1960, teve entre seus alunos, Jodacil Damasceno e Turíbio Santos.

Na família, Sérgio encontrou seu grande parceiro, o irmão Eduardo Abreu, nascido em 1949. Juntos, ainda adolescentes, eles formaram o primeiro grande duo de violões do Brasil, o “Duo Abreu”, abrindo caminhos para outros, como o Duo Assad, e na geração atual, o Brasil Guitar Duo e o Duo Siqueira Lima. O Duo Abreu sempre foi uma grande referência musical, de técnica, interpretação e virtuosismo.

Morre Sérgio Abreu, o mais famoso luthier brasileiro e um dos mais brilhantes violonistas clássicos da história

Sérgio e Eduardo começaram a estudar violão com o avô, Antonio Rebello. Em 1960 ele levou os netos para conhecer a violonista argentina Monina Távora, ex-aluna de Segovia, que estava morando no Brasil. Nos dez anos seguintes eles tiveram aulas regulares com esta grande mestra.

Monina

A professora Monina teve um papel fundamental na formação na vida de Sérgio. Ao falar sobre ela, em um texto publicado no Acervo, Sergio Abreu afirma:convivi com ela desde quando eu tinha 12 anos de idade e posso dizer, sem nenhuma dúvida ou exagero, que sem ela eu não teria tido a carreira que tive, nem como músico, nem como luthier”.  

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(Sérgio Abreu, Monina Távora e Eduardo Abreu - arquivo particular Ricardo Dias)

A professora Monina guiou o aprendizado e a condução da carreira dos irmãos Abreu no Brasil e no exterior e no final dos anos 1960 também passou a dar aulas aos irmãos Assad.

Só em 1966 a mestra os considera prontos para uma carreira internacional, com concertos constantes e em 1967 Sergio ganha o prestigioso Concurso de Paris, diz o seu biógrafo Ricardo Dias. Sérgio Abreu foi o mais jovem violonista a vencer o mais importante concurso de violão do mundo, da Rádio e Televisão Francesa, em Paris. Dois anos antes Turíbio Santos, seu ídolo, venceu o mesmo concurso.

Os LPs

Em 1968, Sérgio e Eduardo Abreu assinam um contrato com a CBS em 1968 e o lançamento do primeiro e histórico disco do duo: The Guitars of Sérgio and Eduardo Abreu. Esse primeiro registro acabou saindo pela Decca (gentilmente cedido pela CBS, desde que fosse apenas um disco). “As séries em que se apresentavam contavam com os principais músicos do mundo, entre eles Julian Bream, Placido Domingo, Martha Argerich, Rostropovich e Pierre Boulez. Vale lembrar que ambos tinham pouco mais de 20 anos e já trabalhavam com o empresário Harold Shaw (o mesmo de artistas como John Williams, Jacqueline Du Pré e Vladimir Horowitz)”, informa Gilson no verbete escrito para o Acervo.

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Em 1969 gravaram o segundo disco, agora com repertório inteiramente dedicado ao duo de violões, que foi lançado também no Brasil sob o título Os Violões de Sérgio e Eduardo Abreu. No ano seguinte, saiu o terceiro e último LP do duo, também pela CBS, com os concertos para dois violões e orquestra de Guido Santórsola e Castelnuovo-Tedesco. “A gravação desse concerto é tida por muitos como a melhor já realizada pelo duo”, frisa Antunes.

Em 1975, no auge de uma carreira de sucesso internacional meteórico, Eduardo decide interromper a carreira.  Sérgio Abreu segue então como solista durante alguns anos e também realiza alguns trabalhos em formação camerística com o flautista Norton Moroziwicz, com quem apresentou diversos recitais e em parceria com a cantora lírica Maria Lucia Godoy,

Oficialmente, além dos três LPs gravados com o Duo Abreu, Sérgio Abreu fez um disco solo com gravações “definitivas” de Paganini e Sor, e um quinto com Maria Lucia Godoy. À exceção deste, todos os discos estão fora de catálogo há muitos anos.

O luthier

Morre Sérgio Abreu, o mais famoso luthier brasileiro e um dos mais brilhantes violonistas clássicos da história

(O jovem Sérgio Abreu - arquivo particular Ricardo Dias)

Em paralelo à carreira de concertista cresce o interesse de Sérgio pela luteria. Mas havia o medo de ferir as mãos em algum acidente. Com o luthier inglês George Lowe ele aprende as condições e regras a serem seguidas para um trabalho com segurança. Em 1976 (ano da gravação do seu disco solo “Sérgio Abreu interpreta Paganini e Sor, lançado em 1980, pela Ariola), ele conheceu Tom Humphrey e passou um mês em sua oficina, onde aprende a usar as ferramentas da luteria e aos poucos começa a praticar o que aprendera.

Em 1977, durante uma turnê na Europa, Sérgio Abreu visitou outros luthiers, pediu e ouviu conselhos. Esteve com Romanillos, Paul Fisher e George Lowe, com quem mais se identificou, adotando como base o seu sistema de trabalho.

Ainda envolvido nas atividades de concertista, em 1978, ele começou a construir o seu primeiro violão e levou dois anos para concluí-lo. Pouco depois, no início dos anos 1980, após lançar o seu único disco solo, com gravações de Sor e Paganini, Sérgio Abreu também abdica da carreira de concertista e passa a se dedicar à luteria.

Em entrevista à Revista Violão Pro (2007), Sergio comenta que o interesse pela luteria surge quando começou a tocar. Por volta dos 15 anos ficou fascinado pelo Hauser, de 1930, de Monina Távora, que tinha sido de Segóvia. Pediu a ela para desenhar o instrumento, tirou as medidas e pediu a alguns luthiers para fazer violões baseados nessa planta. Em 1977 ganhou o Hauser da professora(!), para ele, o melhor instrumento do mundo. 

O perfeccionismo do violonista acompanha o luthier, que se tornou um dos mais requisitados do Brasil e do mundo. Embora quantidade nunca tenha sido uma preocupação, lhe trazia certa frustação o tempo que demorava para um violão ficar pronto. Trabalhando com a empresa Giannini, ele fazia apenas os tampos e assim podia trabalhar em vários instrumentos ao mesmo tempo e usar a experiência adquirida nos violões que fazia só.

Sérgio ficou na Giannini de 1980 a 1987, onde ajudou a construir cerca de 500 violões e criou o Modelo Abreu, também conhecido como C7. Ele deixou a empresa quando a fábrica se mudou para o interior de São Paulo.

Ao sair da Giannini, Sérgio adaptou sua oficina no Rio de Janeiro para atender a alta demanda de pessoas interessadas no modelo Giannini Abreu. Nesse momento ele convidou os artesãos José Chagas e Mário Bezerra para ajudá-lo, com quem trabalhou por quatro anos e em seguida ele ajudou os dois a montarem suas próprias oficinas no centro da cidade e começou a trabalhar sozinho. Suas principais referências foram Hermann Hauser e Torres.

Morre Sérgio Abreu, o mais famoso luthier brasileiro e um dos mais brilhantes violonistas clássicos da história

(Capa da biografia de Sérgio Abreu, escrita por Ricardo Dias)

Parece justo dizer que ele não foi só um virtuose que abandonou a carreira de concertista para se tornar luthier, que abandonou os palcos para se dedicar ao trabalho de construir violões no espaço recluso de uma oficina. Em sua história, o caminho do violonista e do luthier se entrelaçam e na base de tudo está o som, a música.

Mas, embora sendo um violonista excepcional, reconhecido e admirado no mundo inteiro, perguntado por Ricardo Dias, onde se sentiu mais realizado, ele responde: “como luthier”. “Cheguei mais perto do que eu queria”.

Referências

Sergio & Eduardo Abreu (Duo Abreu). Gilson Antunes. Acervo Violão Brasileiro. 

Violonista Monina Távora tem gravações e fotos raras descobertas em seu centenário. Sérgio Abreu e Ricardo Dias. Acervo Violão Brasileiro.

Dias, Ricardo: Sérgio Abreu, uma biografia, 2015.

Gilson Antunes: Soberano dos Violões. Entrevista com Sérgio Abreu. Violão Pro, 2007

 

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