Maratona de recitais e diversidade musical marcam IV Seminário de Violão José Carrión no Recife
Por Alessandro Soares
Amarelada e corroída, esta foto inédita mostra (da esquerda para a direita) os violonistas Oscar Feitosa, José Carrión, Henrique Annes, Aloízio Gouveia (único amador do grupo) e Júlio Moreira. Era o Recife do início dos anos 1970. Mais do que exibir rapazes em pé, de mãos juntas, que nem jogadores em cobrança de falta, a rara imagem remete aos encontros informais de violão na capital pernambucana daquela época. Também é uma dos poucos registros de Carrión, que a partir de agora circula na internet, por meio do Acervo Digital do Violão Brasileiro.
Saudado como o mais influente professor de violão do Nordeste, entre os anos 1960 e 1980, a memória do espanhol José Carrión (1924-1987) andava esquecida. Mas depois que o paraibano Guilherme Calzavara decidiu homenagear o concertista criando o Seminário de Violão, aos poucos essa história vem sendo revelada.
Na quarta edição, o seminário reúne ex-alunos de José Carrión, como Henrique Annes, Júlio Moreira e Vital Joffily, grandes violonistas nordestinos da atualidade, a exemplo de Nonato Luiz, Ezequias Lira e o próprio Calzavara, e concertistas consagrados do Rio de Janeiro e de São Paulo, como Nicolas de Souza Barros, Glauber Rocha e Marcelo Fernandes. Com entrada franca, ao todo o festival oferece dois workshops, três master classes e uma maratona de nove recitais, além de um concerto e uma audição de alunos, com intensa programação que começou na terça-feira (160 e vai até sábado (20).
Ezequias Lira, Glauber Rocha e Nicolas de Souza Barros
Ezequias Lira
Esta quinta-feira (18) concentra o maior número de recitais do seminário, começando pelo pernambucano Ezequias Lira, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A mistura da obra de concerto com o cancioneiro popular é constante na interpretação de Ezequias, desde quando fez mestrado e doutorado em Montreal, no Canadá, onde gravou o primeiro CD, Balaio.
Essa mescla no repertório dele estará presente no recital. Ezequias fará um ciclo de peças de Sérgio Assad (Valseando, Prelúdio, Tocatina), uma boa rodada de Marco Pereira (Samba Urbano, Bate Coxa, Num Pagode em Planaltina e o arranjo de Mulher Rendeira), além de Radamés Gnattali (Toccata em Ritmo de Samba 1 e 2) encerrando com Eduardo Cabral (Toada e Baião), Guinga (Baião de Lacan) e Garoto (Lamentos do Morro).
Glauber Rocha
Glauber Rocha, um dos jovens talentos mais comentados na atualidade, vai focar nos grandes compositores clássicos da América Latina, a exemplo de Napoléon Coste (Fantasie Dramatique "Le Depart", Op.310, Fernando Sor (Fantasie Op. 7), Manuel Ponce (Sonata III) e Agustín Barrios, com quatro peças (Madrigal Gavota, País de Abanico, Valsa Op. 8, No. 3, Valsa Op. 8, No. 40. Villa-Lobos estará presente com Mazurca-Chôro. “Voltar a tocar no Recife e participar deste seminário é um grande privilégio. O público do evento é muito atencioso e isso reflete na performance de forma positiva“.
Nicolas de Souza Barros
Também atração da quinta-feira, Nicolas de Souza Barros, vai lançar o novo CD Chora, violão!, no qual toca em violão de 8 cordas obras originalmente compostas ao piano, de Ernesto Nazareth, Henrique Alves de Mesquita, Francisco Mignone e Eduardo Souto.
O belo disco que Nicolas gravou só com obras de Nazareth, em 2014, evidencia o quanto ele tem aberto novos horizontes de interpretação e arranjo no chamado "violão de 8 cordas com afinação estendida". A tal afinação estendida, segundo Nicolas, é porque além de ter uma afinação mais grave do que o violão tradicional, este violão tem outra - o Lá 3 - uma quarta acima da corda mais aguda do violão tradicional. Com isso, incorpora uma oitava extra no seu registro.
Júlio Moreira
Júlio Moreira, Henrique Annes e Marcelo Fernandes
O violonista Júlio Moreira, de 85 anos, que foi solista do concerto de Vivaldi na apresentação de abertura do seminário, toca novamente na sexta-feira, seguido por Henrique Annes, que vai interpretar peças de sua autoria, como a Suíte Pernambucana (valsa, choro e frevo) e as 6 Caribeanas e os Prelúdios. Lendário violonista que desde os 13 anos tocava em programas de rádio e conviveu com os principais compositores de choro e valsa do Recife, a exemplo de Zé do Carmo, Romualdo Miranda e Milton Dantas, Annes é dos mais significativos compositores pernambucanos em seu instrumento.
O último recital é com Marcelo Fernandes, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), vencedor de diversos concursos e conhecido pela trajetória de recitais realizados em vários países. Para Guilherme Calzavara, o seminário José CArrión representa uma semana muito rica emm troca de informações para músicos e alunos de Pernambuco, com violonistas do Nordeste e de várias outras regiões do país. O Seminário é realizado por meio do Funcultura/Fundarpe, com apoio do Governo do Estado e da Prefeitura do Recife.
Marcelo Fernandes
Abertura
O seminário foi aberto na noite desta terça-feira (16), no Teatro Santa Isabel, com a Orquestra de Câmara de Pernambuco, sob regência do maestro José Renato Accioly, que apresentou duas peças de Henrique Annes: Mandacaru (em parceria de Benny Wolkoff) e Mesclado, em arranjo de Ewerton Sarmento, o Bozó 7 Cordas. Parte do espetáculo foi em homenagem aos 70 anos de idade de Annes, que foi aluno de Carrión.
Em seguida, quem subiu ao palco foi Júlio Moreira, que aos 85 anos, solou o Concerto para Violão e orquestra em Ré Maior, de Vivaldi. Há décadas residindo em São Paulo, Moreira é outro ex-aluno de Carrión. No encerramento, a Orquestra de Câmara interpretou o Concerto para dois violões, oboé e orquestra de cordas de Radamés Gnatalli, tendo como solistas Cláudio Moura (violão) Roberta Belo (oboé) e Guilherme Calzavara (violão).
As sessões de workshop e master class ocorrem sempre das 9h até o meio da tarde, no Conservatório Pernambucano de Música. Já os recitais estão agendados a partir das 16h, com encerramento às 20h. (ver programação completa abaixo). Quase todos os músicos vão interpretar pelo menos uma peça de Heitor Villa-Lobos, em tributo os 130 anos do compositor.
Nonato Luiz e Quinteto de Bandolins
Quinteto de Bandolins do Recife/Foto: Marco Cezar Filho
O ciclo de apresentações começou na quarta-feira (17), com o Duo Pessoa da Silva, formado pelo violonista João Paulo Pessoa e o bandolinista Carlos Alberto Silva. Às 19h se apresenta o violonista cearense Nonato Luiz, ao lado do Quinteto de Bandolins do Recife, formado por Marco Cesar (diretor musical e bandolim I), Alexandre Milton (bandolim II), João Paulo Albertim (Bandola), Fernando Moura Serafim (Bandoloncelo) e Rafael (baixolão).
O grupo tocou obras como Lenda do Caboclo (Heitor Villa-Lobos) e Caminhando nas Nuvens (João Paulo Albertim), numa sonoridade timbrística bem peculiar e bastante rara nos palcos populares e salas de concertos no Brasil. Para Marco Cezar, as peças barrocas se prestam muito bem a esse tipo de quinteto, sem precisar adaptações.
Nonato Luiz
As músicas brasileiras, tanto as de raízes eruditas quanto as populares, também são muito apropriadas ao repertório para o quinteto de cordas dedilhadas. É um tipo de formação no qual Marco Cezar fez história, como arranjador e maestro, entre os mais importantes do país. “Os integrantes têm variadas formações e tendências de gêneros, o que facilita nossa forma de interpretar e de improvisar. E temos pesquisado para formar um repertório voltado para solistas convidados.”
Na parte solo, Nonato Luiz interpretou Villalobiana, que ele compôs inspirado no compositor brasileiro. Acompanhado do quinteto de bandolins, o violonista cearense solou peças de sua autoria, comprovando o quanto é um dos mais versáteis autores brasileiros, em temas como Lembranças de Mãe, Viola Violada, Baião Cigano, Choro Acadêmico, Choro dos Arcos e Rubi Grenar. “É honra muito grande tocar com o quinteto e retornar ao Recife, cidade onde tenho bastante afinidade”.
Henrique Annes
Terça-feira (16)
Abertura: Memorial / 19h30 Recital / Concerto às 20h00
Solistas: Julio Moreira, Cláudio Moura, Guilherme Calzavara e Roberta Belo Orquestra de Câmara de Pernambuco
Regência: José Renato Accioly
Local: Teatro Santa Isabel
Guilherme Calzavara
Quarta-feira (17)
Workshops:
09h às 12h Ezequias Lira
14h às 17h Lutheria com Lúcio Jacob
Recitais:
17h Duo Pessoa da Silva (João Paulo Pessoa - violão e Carlos Alberto Silva - Bandolim)
19h Nonato Luiz e Quinteto de Bandolins do Recife
Local: Auditório do CPM
Quinta-feira (18)
09h às 12h Masterclass Nonato Luiz
Recitais:
15h Ezequias Lira
16h Vital Joffily
17h Glauber Rocha
19h Nicolas de Souza Barros
Local: Auditório do CPM
Sexta-feira (19)
Masterclass:
09h às 12h Nicolas de Souza Barros
14h às 16h Glauber Rocha
Recitais:
16h Julio Moreira
17h Henrique Annes
19h Marcelo Fernandes
Local: Auditório do CPM
Sábado (20)
09h às 12h Masterclass Marcelo Fernandes
14h Audição de encerramento com alunos participante de master class
Local: Auditório do CPM