Espero que a morte de Isaías Sávio não seja duradoura, por Paulo Porto Alegre
(Isaías Savio e Antonio Rebello - acervo particular: Ricardo Dias)
Por Paulo Porto Alegre
(Especial para o Acervo Violão Brasileiro)
Em 1971, aos 18 anos, entrei na faculdade de engenharia e, seis meses depois, no dia 7 de agosto, tive a primeira aula com Isaías Sávio, meu primeiro professor de violão. Já em outubro, completamente encantado, queria largar engenharia e ser músico. Obviamente a família não deixou. Mas Sávio foi um pai para mim durante os quatro anos que estudei com ele. Uma pessoa que teve um carinho especial, que me tratava como filho, que sempre tinha todo tempo do mundo, todo interesse por mim.
Sávio veio para o Brasil em 1931 e se instalou no Rio de Janeiro, mas tocava no país inteiro e foi em Belém do Pará que ele conheceu a mulher dele, dona Youky Dubois, uma bailarina francesa. Ele dizia que no primeiro encontro conversaram a noite inteira, ele falando espanhol e ela falando francês. Nenhum entendia o outro, mas quando amanheceu ele a pediu em casamento e ficaram casados até o final da vida. Uma história boa de se contar!
Deve-se a Isaías Sávio a inclusão do violão no conservatório do Brasil, com a abertura do curso no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em 1947. Com um belo programa, conteúdo curricular incrível, pensado em sete anos e, como a gente imagina, bem erudito. Ele que sempre foi um professor ligado à música romântica, à música clássica, não poderia fazer diferente.
(Isaías Savio)
Além de professor, Sávio foi muito importante para os alunos. Ajudava a todos, arrumava concertos. Ele realmente deu a mão a todo mundo. Teve uma época em que ele era o maior do Brasil, mas com o passar do tempo foi sendo esquecido. Eu sinto assim. Isso não deveria acontecer porque, afinal de contas, a profissão de professor é justamente aquela que não tem idade. Mas outros professores mais modernos foram surgindo e os alunos começaram a procurar repertórios mais contemporâneos.
Depois que ele morreu, eu me lembro que alguns alunos foram procurar Ademar Petri, também um ex-aluno, que ele achava que poderia ter sido o Segovia brasileiro. A maioria foi procurar Henrique Pinto, entre eles, eu, Oscar, Marco Antonio, Marco Pereira e alguns simplesmente largaram o violão, ficaram perdidos e largaram. Existem casos isolados, de soluções pessoais, mas basicamente, o grupo se dividiu assim.
Eu penso que pouco a pouco, devido aos novos tempos, à modernidade do repertório, ao que as pessoas tinham como referência nova, de certa maneira Sávio foi sendo esquecido. Hoje em dia ainda se usa bastante o material didático dele, especialmente em conservatórios do interior. Mas eu acho que sua obra artística, que é tão bonita, não é mais tocada.
Nos últimos cinco anos, eu só vi uma vez, um aluno, inclusive da escola municipal, tocando alguns prelúdios pitorescos dele como Na Ilha Abandonada, que é belíssima. Músicas como Batucada, Serões, Das Cenas Brasileiras, são preciosidades que mereciam estar no repertório de hoje, mas as pessoas não tocam mais. Eu acho que isso é uma coisa triste. Parece que tem uma hora que você morre totalmente, que é quando você é esquecido, quando sua obra é esquecida, aí parece que você morreu de vez.
Eu espero que isso não seja duradouro, assim como a vida não é duradoura, eu espero que a morte não seja duradoura, não esse tipo de morte.
Por isso, eu espero que as pessoas voltem a tocar Sávio. Especialmente agora que a gente está homenageando os 120 anos dele, espero que as pessoas se lembrem de fazer uma pequena homenagem ou de rever a qualidade da sua obra, que é muito boa e merece ser tocada.