Em carta, violonista Tó Teixeira revela experiência de ser o único negro numa festa de São João em 1925
Além de guardar recortes de jornais com reportagens sobre o próprio trabalho, o violonista paraense Tó Teixeira (1893-1982) tinha hábito de escrever cartas sem destinatário, como se escrevesse para a posteridade, diz o músico e pesquisador Salomão Habib. Tó deixou mais de 250 músicas – quase todas inéditas. Como revelou a matéria do Acervo, uma parte dessa obra foi lançada por Habib numa coleção formada por quatro CDs, dois livros (biografia e álbum de partituras) e DVD (disponível com exclusividade pela Loja Violão Brasileiro).
Um dos itens da coleção é o livro Tó Teixeira - o poeta do Violão, no qual Salomão Habib transcreve uma das cartas. Nela, o violonista descreve as fortes emoções que sentiu como músico e por ser o único negro convidado numa festa de São João, ocorrida em 1925. O Acervo publica esta carta.
(Tó Teixeira - crédito: Luiz Braga)
“Belém do Pará, 31 de dezembro de 1942
Eu e meu extinto e saudoso amigo Remo Figueiredo, o esplêndido cantor que nessa época dava-me o prazer de sua amizade e agradável convivência, procurou-me nessa noite para fazer-me um convite, o de acompanhá-lo a uma casa aristocrática, onde se realizava uma festa. E cuja casa está localizada ali ao lado direito da Praça da Bandeira, antiga Rua Saldanha Marinho.
Aceitei o convite do meu amigo Remo e assim, após vestir o melhor terno, que sempre o tive, graças a Deus, preparei com todos os requintes do meu conhecimento, as cordas do meu violão de jacarandá, que me foi oferecido em Manaus quando da temporada feliz que fiz naquela cidade em 1922. E dessa maneira, fui em companhia do meu amigo à casa aristocrática da Praça da Bandeira.
Recebidos com todas as honras de estilo, não só pela aniversariante como também por toda a sua excelentíssima família e convidados, tive logo que pude observar toda amplitude daquele ambiente em festa, esta surpresa inesperada: o violonista Tó Teixeira era naquele ambiente em festa o único homem de cor. Promoveu-se então uma Serata(*) íntima, naquela residência faustosa, recitativos, declamações.
(Tó Teixeira - crédito: Chico Carneiro)
Acostumado que estou a tanger o meu pinho diante dos entendidos da arte, não tive por que vacilar quando chegou a vez de manifestar-me. E acompanhei então a vocalização profundamente sentimental do meu amigo Remo, a popularíssima canção de Vicente Celestino À Beira Mar. Aplausos delirantes coroaram a interpretação desse número e sob o calor daqueles aplausos, naquele ambiente seleto, em que ao invés de um rústico banquinho tinha sob os pés uma rica almofada de adorno.
Tive francamente a ilusão de que era um grande mágico do violão. E essa ilusão prolongou-se ainda mais, doce ilusão de um homem simples e de cor, quando a linda e gentil aniversariante surge-nos pela frente conduzindo uma cesta de flores e as vai jogando por sobre as nossas cabeças como se fôramos em realidade deuses da divina arte dos sons. Lembro apenas que eu e o cantor, empolgados por aquela manifestação surpreendente, dominados pela emoção e enlevados por tanta generosidade de aplausos, bem que sentimos as lágrimas descerem pelos olhos. Lágrimas de agradecimento por entre flores que se esfolhavam aos nossos pés.
Da presente data, essa foi a maior emoção da minha vida. Naquela noite alegre de São João cheia de risos inocentes das crianças e das luminosidades dos balões multicores”.
Tó Teixeira.
* A Serata é uma festa com música, feita à tarde. Serenata é à noite. O evento descrito nesta carta, segundo Salomão Habib, ocorreu no ano de 1925.
RESERVE SUA COLEÇÃO TÓ TEIXEIRA EXCLUSIVAMENTE PELA LOJA VIOLÃO BRASILEIRO
(Foto: Sette Câmara)