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Elodie Bouny estreia ópera Homens de Papel, baseada em peça de Plínio Marcos, no Theatro Municipal de SP

Postado em Shows em 08/04/2022

Elodie Bouny estreia ópera Homens de Papel, baseada em peça de Plínio Marcos, no Theatro Municipal de SP - Foto: A compositora Elodie Bouny e a equipe da ópera Homens de Papel

(A compositora Elodie Bouny - centro - e a equipe da ópera Homens de Papel)

Por Fábio Carrilho

Neste ano de centenário da Semana de Arte Moderna, seu principal palco, o Theatro Municipal de São Paulo terá a estreia nesta sexta-feira (08/04) - e pela primeira vez em sua história - de não apenas uma, mas de duas óperas encomendadas pelo próprio Theatro. Os libretos são baseados em Navalha na Carne e Homens de Papel, obras seminais de Plínio Marcos (1935-1999), em uma espécie de redenção a este ícone da dramaturgia brasileira tido por alguns, até os dias de hoje, como maldito. Ainda há ingressos disponíveis e os valores variam de R$30 a R$120. A temporada terá seis dias de apresentação, encerrando em14 de abril.

Para a feitura das músicas, o então diretor artístico da casa, Hugo Possolo, convocou em 2019 respectivamente Leonardo Martinelli - figura de destaque da nova geração de compositores do meio operístico nacional - e a franco-venezuelana Elodie Bouny, reconhecida tanto como concertista de violão quanto pela sua obra plural enquanto compositora. "Fico feliz por esta obra ser finalmente estreada, após dois adiamentos devido à pandemia", diz Bouny, que terá sua música conduzida pelas mãos de Roberto Minczuk à frente da Orquestra Sinfônica Municipal e do Coro Lírico, tendo entre os solistas a soprano Elaine Morais, o barítono Sebastião Teixeira e o tenor Fernando de Castro, e interpretada cenicamente sob a direção de Zé Henrique de Paula.

Parceira de primeira hora do Acervo Violão Brasileiro, Elodie é idealizadora e diretora do Concurso Novas e tem vídeos, matérias sobre sua trajetória artística e partituras escritas por ela dispiníveis aqui no portal, com algumas de suas obras violonísticas, que há já há algum tempo tem se destacado internacionalmente no trabalho dedicado ao violão. Mas as composições para orquestra rapidamente tomaram grande fôlego na agenda de suas criações, a exemplo do Concerto Nodus, para Violão e Orquestra"Não conhecia a obra do Plínio Marcos quando recebi o convite, mas logo me debrucei sobre suas peças para entender esse universo tão próprio dele", revela a compositora, que foi chamada para a empreitada após Hugo Possolo ter assistido a estreia de sua peça Meia-Lágrima, para Soprano e Orquestra, no próprio Municipal.

Elodie Bouny estreia ópera Homens de Papel, baseada em peça de Plínio Marcos, no Theatro Municipal de SP - Foto: Elenco de Homens de Papel

(Elenco de Homens de Papel)

Surpresa pelo convite, Bouny concebia a escrita para ópera para um estágio mais tardio de sua carreira. "Compor uma ópera é algo que costuma chegar depois na vida dos compositores, não é tão cedo assim. No início, fiquei um pouco insegura, mas logo me empolguei, consegui lidar com aquilo e acabei gostando", revela a musicista, que considera este acontecimento, para além de uma verdadeira imersão musical e estética, um marco em sua carreira composicional.

O libreto de Homens de Papel foi adaptado pelo próprio Hugo Possolo, artista de teatro e um dos fundadores do grupo paulistano Parlapatões. A história conta, pela estética plínio-marquiana, complexas relações humanas entre moradores de rua que são catadores de papel, os quais exalam raiva e violência pelas condições em que vivem enquanto tentam sobreviver em uma espécie de comunidade. "Apesar de ter sido escrita há mais de 50 anos, é um texto tristemente atual. Ironicamente, a peça será estreada no Theatro Municipal de São Paulo, que fica na Praça Ramos, um dos pontos mais frequentados pelos moradores de rua. É como se a encenação da obra estivesse acontecendo em paralelo à realidade lá fora", escreve Bouny na apresentação do libreto, cujo texto, no melhor estilo do autor, coloca luz nas violências e nas injustiças para as quais poucos se atrevem a olhar.

Elodie Bouny estreia ópera Homens de Papel, baseada em peça de Plínio Marcos, no Theatro Municipal de SP - Foto: Plínio Marcos

(Plínio Marcos)

Para a compositora, o processo criativo foi prazeroso, mas também emocionalmente denso. "É um texto muito pesado de maneira geral, mas que denuncia situações de cidade grande nas quais os moradores de ruas são marginalizados, maltratados e quase invisíveis", diz ela, que destaca o verso "engolidos pela cidade" cantado pelo Coro Lírico na abertura da ópera. "Depois acontece tudo de pior, um tipo de descida ao inferno. A música acompanha essa tragédia contínua ao mesmo tempo que tento aliviar em alguns momentos para não ficar tão pesado", analisa.

Em relação à transposição do universo literário de Plínio Marcos para o musical, Bouny aponta os diálogos ríspidos como um desafio. "É uma linguagem com muitos palavrões, os personagens se expressam de maneira totalmente crua", comenta a compositora, que buscou retratar musicalmente tal estética crua por meio de uma escrita complexa, densa e, por vezes, com traços minimalistas. "A escrita musical não é assumidamente atonal ou tonal, mas, sim, transita entre esses dois polos, oferecendo, por vezes, rastros de uma escrita quase neobarroca ou neoclássica", conta sobre os caminhos musicais percorridos.

A formação musical de "Homens de Papel" é grandiosa, contando além da Orquestra Sinfônica Municipal e do Coro Lírico, com treze solistas. "O Roberto Minczuk sugeriu uma orquestra grande, com bastante percussão. O coro misto era algo que estava previsto por eles e achei uma sugestão muito boa", revela a compositora, que finalizou o projeto em dez meses de trabalho. "Minha preparação foi intensa. Tive que estudar muito, embora já tenha estudado orquestração, feito análises de partituras, além de sempre ouvir muito repertório. Agora ópera é outra coisa, pois não tinha uma cultura muito vasta", diz ela, que afirma ter ouvido principalmente ópera contemporânea em sua fase preparatória.

Elodie Bouny estreia ópera Homens de Papel, baseada em peça de Plínio Marcos, no Theatro Municipal de SP - Foto: Fernando de Castro

(Fernando de Castro)

Outro campo que demandou grande estudo para foi a escrita para percussão, a qual contou com sonoridades inusitadas. "Quis sair dos instrumentos mais tradicionais, por isso usei a kalimba, o flexatone, o waterphone, que eles inclusive não tinham e mandaram fazer dois para atender ao meu pedido", ressalta. Segundo Bouny, o uso da percussão em sua escrita tem um papel quase de "cimento" textural. "Faço uso da percussão de maneira pouco comum, com alguns efeitos bem da música contemporânea mesmo. Às vezes, o que está acontecendo em cena é tão insuportável que só a percussão para transmitir tal violência", diz ela, que contou com quatro percussionistas, com destaque ao vibrafone.

Quanto à concepção vocal, Bouny destaca o fato da obra exigir bastante dos cantores. "É uma escrita difícil para a voz, pois é ritmicamente muito complexa, o que torna difícil decorá-la, além de ser uma linguagem contemporânea e, às vezes, até atonal", diz a compositora. "Participei do teste para escolher o elenco de vozes, mas não fui quem as escolhi. Nessa primeira ópera, aprendi que não escrevemos para vozes, mas para pessoas, pois cada uma tem a voz que brilha mais em um determinado registro, e isso muda de pessoa para pessoa", diz ela, que afirma ter feito algumas adaptações nas partituras em função das vozes dos solistas.

Um dos instrumentos pouco comuns no ambiente sinfônico, ainda mais em óperas, e que certamente chamará a atenção em "Homens de Papel" é a presença da guitarra elétrica. "Procurava um timbre justamente para ter esse elemento de violência em alguns momentos, mas sobretudo para se ter algo um pouco sobrenatural, surrealista, um som que você não consegue identificar saindo do fosso da orquestra. Além disso, a guitarra tem um som urbano. Como toda a cena é na rua, achei que tinha a ver com a questão da cidade", justifica.

Elodie Bouny estreia ópera Homens de Papel, baseada em peça de Plínio Marcos, no Theatro Municipal de SP - Foto: Elaine Moraes

(Elaine Moraes)

Diferentemente da escolha do elenco de vozes, a compositora, que é violonista, pode indicar o guitarrista. "Da primeira vez, antes da pandemia, tinha chamado o Chrystian Dozza. Com o adiamento, tive que pensar muito, pois é uma escrita para guitarra elétrica, mas que demanda alguém que tocasse violão. É uma técnica do violão na guitarra, mas que às vezes tem palheta também. Daí acabei chegando no Camilo Carrara, que é alguém extremamente completo", conta Bouny.  

Para as sonoridades guitarrísticas pouco comuns, a compositora demandou efeitos diversos, incluindo o uso de pedais e acessórios, como o e-bow, aparelho que possibilita tocar notas muito longas em uma espécie de sustain infinito. "Com os efeitos, cria-se um tipo de cimento tímbrico com a orquestra. Usei também bastante a ideia de uivos e assobios na guitarra, assim como glissandi em algumas cenas", revela a compositora, que destaca a presença da guitarra em peças orquestrais de Fausto Romitelli (1963-2004) e de Frank Zappa (1940-1993).

O violão, indissociável da trajetória de Bouny, desta vez acabou não sendo utilizado na formação desta ópera. "Componho muito para violão, mas também para orquestra. São menos peças, é mais difícil divulgar porque é mais difícil gravá-las", analisa. Apesar de não aparecer nas partituras de "Homens de Papel", foi uma ferramenta importante nos bastidores. "O violão me serve quando são temas tonais, canções. Tem várias árias que são tonais, muito líricas, quase românticas, com caráter mais doce. Uso bastante o violão para compor, achar os caminhos harmônicos, fico cantando junto. Com certeza, o violão é o guia para esse tipo de composição, como se estivesse compondo uma canção mesmo", finaliza.

Elodie Bouny estreia ópera Homens de Papel, baseada em peça de Plínio Marcos, no Theatro Municipal de SP - Foto: Sebastião Soares Teixeira

(Sebastião Soares Teixeira)

SERVIÇO

| NAVALHA NA CARNE |

de Leonardo Martinelli

Ópera em ato único a partir da peça de teatro de Plínio Marcos.

Orquestra Sinfônica Municipal

Roberto Minczuk, direção musical e regência

Fernanda Maia, direção cênica  

Luisa Francesconi, Neusa Sueli

Fernando Portari, Vado

Homero Velho, Veludo 

Bruno Anselmo, cenografia

Fran Barros, iluminação

João Pimenta, figurino

Inês Aranha, assistente de direção

COMPRE AQUI OS INGRESSOS PARA HOMENS DE PAPEL

| HOMENS DE PAPEL |

De Elodie Bouny

Ópera em dois atos a partir do texto de Plínio Marcos adaptado por Hugo Possolo.

Orquestra Sinfônica Municipal

Coro Lírico

Roberto Minczuk, direção musical e regência

Zé Henrique De Paula, direção cênica

Mário Zaccaro, regente titular do Coro Lírico

Ingressos R$30,00 a R$120,00

Classificação 12 anos

Duração total aproximadamente 3 horas (com intervalo)

Tags: Elodie Bouny
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