(Marcello Gonçalves e Anat Cohen no festival FIV BH, em 2017)

Por Alessandro Soares

Ao chegar cedo no Bar Semente, Marcello Gonçalves livrou-se do toró que mais tarde alagou as ruas do Rio de Janeiro e formou cachoeira no final da Ladeira de Santa Teresa, o antigo endereço da lendária casa de show. Só deu tempo de passar o som com Dani Spielmann (saxofonista) e entrar o primeiro cliente. Veio o pé d’água e ninguém podia entrar ou sair. A dupla decidiu tocar mesmo sem plateia. Após a primeira música, Marcello ainda estava de olhos fechados submerso em seu violão quando ouviu os calorosos aplausos. Eram os cozinheiros, garçons e demais funcionários do Semente.

Marcello relembra essa história ocorrida em 2013 pra exemplificar a aura fantástica do Bar Semente, onde todo mundo comungava do gosto pela música que brotava lá. Neste sábado (03/04), às 20h30, ele faz show online ao lado da clarinetista Anat Cohen na mostra Semente Música Viva, transmitido pelo Youtube de Yamandu Costa.

O evento foi aberto ontem com recital do próprio Yamandu. E amanhã (04/04) é a vez de Zé Paulo Becker e Marcos Sacramento. A programação prossegue quente pra chuchu semana que vem, com João Donato e mais o sanfoneiro Bebê Kramer e o grupo Semente Choro Jazz. Após cada show, os músicos são entrevistados pela produtora Aline Brufato, diretora artística da Mostra junto com Yamandu, e que era proprietária do bar.

Em entrevista ao Acervo, Marcello avisa que o espetáculo tem repertório inédito. Anat Cohen compôs quatro temas: Waiting for Amalia, Valsa do Sul, Footsteps and Smiles e In the Spirit of Baden. Mas também tem arranjos inéditos para releituras de Paula e Bebeto, de Milton Nascimento e Caetano Veloso, e El Diablo Suelto, do venezuelano Heraclio Fernandez. “São músicas do nosso novo disco que está saindo do forno. E que dialoga muito com a atmosfera do Semente, pois lá havia shows temáticos. Uma noite era de samba. A outra era de choro ou de música latino-americana. E também havia muito tesão pra mostrar músicas novas. E a ideia deste show online hoje é abranger tudo isso”.  

(Zé Paulo Becker e Marcos Sacramento - foto crédito: Edu Monteiro)

Do consagrado CD Outra Coisa, dedicado à música de Moacir Santos, e que foi indicado ao Grammy 2018 ao melhor disco de jazz latino, Marcello e Anat vão tocar apenas uma. É Paraíso, justa homenagem – segundo Marcello – ao clima do Semente. Dos funcionários aos turistas. Dos músicos que tocavam lá toda semana aos artistas internacionais que davam canja uma vez na vida, o clima era sempre sagrado. “Quando o Paulo Bellinati esteve no Semente disse ao Zé Paulo Becker que era um bar com público da Sala Cecília Meireles, tamanha a devoção e o silêncio da plateia diante dos músicos em palco”, recorda Marcello.

E quem perdeu o show do Yamandu, é só clicar embaixo. Compondo pra caramba na pandemia, ele apresentou também repertório inédito e numa audiência de lascar. Em menos de 24 horas, mais de 11 mil pessoas assistiram ao show do genial gaúcho. Serelepe, Intrigante, Milongueiro, Limeña, Insouciance, Feitiço de Nazareth, Força e Herança Russa são os títulos das inéditas. Exceção para Porro, do colombiano Gentil Montaña, que é um tema que Yamandu aprendeu por meio do Fabio Zanon e passou a tocá-la com uma energia e improvisos típicos dele, como se o tema fosse da própria lavra.

O Bar Semente fechou bem antes da pandemia. “Tomei a difícil decisão de encerrar a estrutura física do Bar Semente no final de 2017. Desde então percebi que o bar se traduziu em sensação de pertencimento na vida de muitas pessoas dentro e fora do Rio e do Brasil. O Semente foi um laboratório experimental para muitos artistas e para o público. E a música que se cultivava ali estava viva e entrelaçada à trajetória de muitos artistas”, afirma Aline Brufato.

Patrimônio imaterial afetivo

Em depoimento ao Acervo, Aline recorda as noites nos 20 anos de existência do Semente na Lapa. “Lá se formou uma geração de músicos e fez do Semente um patrimônio imaterial afetivo e é um pedaço da história da música feita no Rio de Janeiro. Mesmo fechado, a marca Semente pipocou na mídia nacional e internacional, bem como na cena musical da cidade”.

(Aline Brufato - foto crédito: Custódio Coimbra)

Aline tem um monte de projetos engavetados. “Essa mostra é uma iniciativa quase orgânica. Peguei o telefone e fiz a proposta ao Yamandu, reunindo artistas que admiramos e que têm história com o Semente. Também chamei dois profissionais das artes de quem sou fã: o artista plástico e designer Duda Simões - que tem uma longa história com o Semente - e o engenheiro de som Gil Costa, que trabalha com Yamandu. Sem eles, não seria possível colocar este projeto no ar.

A produtora encara o evento como oxigênio em meio à situação terrível do Brasil atual. “A arte é uma arma poderosa de conexão entre as pessoas. E precisamos estar unidos agora. E a mostra tem essa proposta”. Assim, seja online o de forma presencial, não há toró ou pandemia que mude o clima sagrado e fantástico do Semente.

Serviço – SEMENTE MÚSICA VIVA

Transmissão pelo canal do Yamandu Costa no Youtube

Das 20h30 às 21h30

Sexta-feira (02/04) – Yamandu Costa

Sábado (03/04) – Marcello Gonçalves e Anat Cohen

Domingo (04/04) – Marcos Sacramento e Zé Paulo Becker 

Sexta-feira (09/04) – Bebê Kramer 

Sábado (10/04) – João Donato

Domingo (11/04) – Semente ChoroJazz