Chick Corea no Recife e as notinhas mimosas do violonista Fred Andrade
(Fred Andrade e Chick Corea no Conservatório Pernambucano de Música / arquivo particular)
Por Fred Andrade*
Especial para o Acervo Violão Brasileiro
Num belo dia no Recife fiquei sabendo que Chick Corea faria uma oficina no Conservatório Pernambucano de Música. Sim! Chick Corea! Aquele cabra que eu, ainda gurizinho, vi tocar num festival que a extinta Rede Manchete transmitira: o Free Jazz Festival. Pra um camarada como eu, que vinha do rock e estava conhecendo as peças mais famosas do repertório de violão, era tudo o que faltava pra despirocar de vez a cabeça de um geminiano mais indeciso que menino pequeno em loja de brinquedo. Mas já, já, “arrente” volta pra esse encontro especial... Xô falar dum tempo lá de trás...
Esse festival varava a madrugada, deixando a gente numa luta danada pra num “pescar de sono” não perder nadica daqueles preciosos shows. Toda noite, eu e meu irmão Breno, que também era um tocador, ficávamos de prontidão esperando as apresentações. Assistimos tudo, tudo, tudo e estávamos achando que já tínhamos visto de tudo. Mas que nada, ainda restava um tiquinho do evento, e mais pro final da programação estava lá o tal Chick que eu inocentemente, ainda não conhecia.
Nessa oportunidade ele se apresentava como Chick Corea and Elektric Band. Aquele som começou e era realmente um lance que eu nunca tinha ouvido e visto na minha vida, uma fusão de jazz e rock, numa sincronia inacreditável. Estavam lá John Patitucci, Dave Weckl, Eric Marienthal e Frank Gambale acompanhando o maestro Chick e debulhando seus respectivos instrumentos em improvisos que mais pareciam peças escritas, tal a perfeição.
Ainda hoje ecoa no meu juízo o que Chick fazia na música Spain, colocando a plateia para repetir as frases que executava no teclado. Começava devagarinho e as frases iam ficando mais complexas, até o ponto de o público cair na gargalhada frente à impossibilidade de repetir aquilo lá. Uma aula. Que carisma!
A partir dali virei fã do seu trabalho e comecei a acompanhar também os guitarristas que fizeram parte da sua estrada. Tive a sorte, inclusive, de assistir muito de perto Frank Gambale e Scott Henderson. Ah! Scott inclusive daria um texto bom arretado, pois teve muita história nesse dia!
Só que nada aqui nesse plano é eterno meus amigos e, infelizmente, recebi anteontem a notícia de sua morte e aquilo mexeu numa gaveta do meu passado. Minha esposa disse, Fred, você não vai postar nada nas suas redes? É que eu tinha falado pra ela da importância dele, de como mudou meu jeito de enxergar a música e finalmente lembrei desse encontro fortuito que cito no início do texto.
(Fred Andrade)
Renata, eu o encontrei vinte e tantos anos depois do Festival, no Conservatório, no Recife. Tomamos café e ainda lhe mostrei uma música minha. Mostrou qual? Um frevo, que num sou besta. Mostrei aquele frevo ligeiro que gravei com Bozó 7 Cordas e ele achou parecido com Bebop. Acho que foi a ligeireza das notinhas, né? Mas que história tão massa, meu bichinho, poste isso, vá!. E eu postei apenas umas três linhas sobre esse encontro. Postei curtinho, pois tava realmente amoado.
Ontem pela manhã, meu amigo de longas datas, Alessandro Soares, me manda um zap sugerindo que eu escrevinhasse algo pro Acervo do Violão, pois ele tinha visto a danada da postagem que a muié quase me ordenou a fazer. Eu, de primeira fiquei cabreiro, pois como sou professor aqui de universidade, vivo abraçado com escrita formal de artigos e TCC´s, achei que teria de ser feito na conformidade das regras e isso dá um trabaio da gota. Mas Alessandro foi bondoso e me deixou fazer simples com a linguagem da minha terra, como se tivesse numa mesa de bar contando procês dessa minha passagem com esse ser iluminado.
Que felicidade danada poder falar sobre pessoas que mudam vidas e Chick Corea foi uma delas com toda certeza. A liberdade que ele propunha com o seu som era algo comovente e tenho buscado isso quando faço arte. Às vezes entro em dilema por tentar manter viva a chama de tipos de sons e instrumentos que parecem incongruentes. Mas lembro das lições de caras como ele e deixo aqui juntin no sofá de casa, minhas guitarras e violões, o jazz, o rock... tudo convivendo numa boa, à cata das notinhas mimosas.
Viva a música, viva Chick Corea!
Brigado por ispaiá tanta boniteza no planeta, meu velho!
*Fred Andrade é guitarrista e violonista pernambucano. Gravou 11 CD´s, um DVD e dois livros com transcrições de peças de sua autoria. Já ensinou no Conservatório Pernambucano de Música e atualmente é professor da Universidade Federal de Sergipe.
(Chick Corea)