(Tia Amélia - arquivo divulgação)

Por Elcylene Leocádio

A pianista e compositora pernambucana Tia Amélia (1897-1983) faz parte de uma linhagem de artistas fundamentais para a identidade musical brasileira, como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Carolina Cardoso de Menezes. Tia Amélia fez sucesso em Recife, no Rio de Janeiro e realizou turnês no Brasil e na América Latina. Mas sua obra, pouco registrada, tocada e divulgada, tornou a artista excepcional que era, praticamente uma desconhecida entre as novas gerações.

A biografia Tia Amélia – o piano e a vida incrível da compositora, escrita pela jornalista e produtora cultural Jeanne de Castro, dá um passo significativo para corrigir esta situação. Publicado pela Editora Tipografia Musical, o livro será lançado nesta sexta-feira (8/03), às 19h, na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, com entrada franca e senhas distribuídas a partir de 18h. Na ocasião, o pianista capixaba Hércules Gomes fará recital com obras do CD Tia Amélia para sempre, que ele gravou em 2020, produzido também por Jeanne.

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No livro, Jeanne resgata a brilhante trajetória da artista, sua importância para a música popular e folclórica e a sua capacidade para enfrentar as imposições culturais de sua época. A autora registra o passo a passo da construção de uma carreira bem-sucedida, respeitada por gigantes da cena musical e artística do seu tempo, como Pixinguinha, Radamés Gnattali, Jacob do Bandolim, Dorival Caymmi, Chacrinha, Ary Barroso Carmélia Alves, Maysa e Vinicius de Moraes. Tia Amélia encanta também os contemporâneos, como se vê no texto da contracapa do livro, escrito por Ruy Castro, mestre da escrita e biógrafo de personagens importantes na história do Brasil.

Amélia Brandão nasceu em 1897, na cidade de Jaboatão dos Guararapes (PE). Foi a primogênita do casal João e Joana Brandão, músicos amadores. O pai tocava clarinete e a mãe, seguindo o costume das famílias de bem, tocava piano, instrumento adotado pela menina, com aprovação dos pais.

(A jovem Tia Amélia no tempo em que ainda era Amélia Brandão)

Aos 12 anos, Amélia compôs a valsa Gratidão e sabia que o interesse era o piano e a música. Porém, tendo nascido em um momento histórico que reservava às mulheres a “realização” apenas por meio da maternidade, o casamento ao voltar de uma viagem de estudos em Lisboa, adiou o início de sua vida profissional. Com pouco mais de 20 anos, Amélia deixa o marido, muda-se do engenho para o Recife, com o piano e três filhos. É contratada pela Rádio Clube de Pernambuco, assume o cargo de maestra no Cine Ideal e conquista cada vez mais espaço.

Segundo o jornalista e curador do Acervo Violão Brasileiro, Alessandro Soares, em sua monografia de graduação, em 1997, Acordes do Rádio: Ensaio sobre Violonistas Pernambucanos, “após o sucesso que fez na emissora, teve uma música gravada pela Odeon sem autorização. Inconformada, Amélia viajou para o Rio de Janeiro em busca dos seus direitos autorais. Lá ela se tornou a "coqueluche dos cariocas", apresentando-se em teatros e emissoras da capital. Excursionou pelo Brasil, países da América Latina e Estados Unidos, onde trabalhou. E, gravou três discos pela Odeon, registrando peças como Dois Namorados, Chora, Coração, Sem Nome, Sorriso de Bueno e Bordões ao Luar, entre outras”. 

(Jeanne de Castro, biógrafa de Tia Amélia - foto: Divulgação)

Seguramente, não foi nada fácil se tornar uma pianista e compositora reconhecida entre seus pares e pela sociedade, sendo mulher, nordestina, separada e com filhos. Essas condições lhe exigiram coragem, resiliência e habilidade para se firmar. Criou a persona Tia Amélia aos 56 anos dizendo ter 66 para ter mais credibilidade e não concorrer com os movimentos musicais que surgiam na época. A viuvez foi outra invenção. Possivelmente para se proteger, pois mesmo em meados do século XX, uma mulher separada não era vista com bons olhos.

Tia Amélia viu o nascimento do rádio e da televisão no Brasil; gravou em 78 rotações, realizou turnês pelo mundo com a filha Silene Nery nos anos 1930 e apresentou programas em rádio e de TV, como Velhas Estampas, na TV Rio, e Tia Amélia – Suas Histórias e Seu Piano Antigo, na TV Tupi do Rio de Janeiro. Ficou famosa nos anos 1950 e 1960, gravou discos premiados e com êxito de vendas, além de ter por dez anos programas de TV semanais no Rio de Janeiro.

(Capa do CD de Hércules Gomes com peças de Tia Amélia)

A pesquisa realizada por Jeanne vai além de documentos históricos e jornalísticos. Ela também entrevistou grandes nomes da cena musical do país, que conhecem e foram influenciados pela compositora, como Julio Medaglia, Angela Ro Ro, Egberto Gismonti, Paulinho de Viola, Gilson Peranzzetta, Marco Aurélio Xavier, Luciana Rabello e Izaías Bueno de Almeida, entre outros.

Jeanne pesquisou por quatro anos. “Foi através do acervo da Hemeroteca Nacional online que pude traçar a trajetória de Amélia Brandão (Tia Amélia) da década de 1920 a 1980. Admiro profundamente a biografada porque os jornalistas e críticos ficaram arrebatados com o talento de Amélia. Pianista exemplar, tinha uma técnica excelente porque estudou muito música erudita. Quando se tornou compositora levou consiguiu essa técnica somado a um suingue majestoso na mão esquerda”, afirmou em depoimento ao Acervo Violão Brasileiro.

Para escrever esta biografia, Jeanne de Castro tem duas fontes de inspiração, duas pessoas cujo trabalho é muito relevante no resgate da obra da compositora. O pianista Hércules Gomes que gravou o CD Tia Amélia para Sempre, em 2020 com apoio do Sesc, e a sobrinha de Tia Amélia, Maria José Sampaio Brandão, que fundou o Instituto Tia Amélia, no Recife, dedicado à memória da tia.

(Tia Amélia, Fernanda Montenegro e Pixinguinha)

No encarte do CD, Alexandro Dias, diretor do Instituto Piano Brasileiro, afirma que ao conhecer Hércules Gomes percebeu que estava “diante de um pianista com um estilo único, como talvez nunca tenha existido no Brasil”, cujo som o fazia lembrar de “pianeiros” como Ernesto Nazareth e Tia Amélia.

Segundo Jeanne, o virtuosismo de Hercules Gomes tem exatamente as mesmas características para interpretar esse repertório. “Estou muito feliz em colocar de volta Tia Amélia na História da Música Brasileira, de onde ela nunca deveria ter saído."

O lançamento livro no Dia Internacional da Mulher pode ser lido como uma homenagem merecida à Tia Amélia, intérprete, compositora original, artista que rompeu muitas barreiras para viver em liberdade e fazer de sua arte abrindo uma trilha luminosa para as mulheres e homens que vieram depois dela.

Será um momento único, uma oportunidade para se se conhecer a autora Jeanne Castro e ouvir o som de Hércules Gomes, que tem ginga, carisma e virtuosismo, que interpreta ao piano a linguagem do choro como faziam os “pianeiros” que ele tanto admira, como a Tia Amélia.

Apoio:

O projeto do livro foi selecionado em 1º lugar no edital PROAC-SP (Literatura Não Ficção).

O livro está à venda na Loja do Acervo Violão Brasileiro (R$ 85,90 - até 12x no cartão de crédito ou PIX) com entrega em todas as cidades brasileiras.

Serviço:

Tia Amélia – o piano e a vida incrível da compositora

Lançamento com recital do pianista Hércules Gomes e sessão de autógrafos. 

Data: 8 de março, às 19h

Entrada franca, senhas distribuídas a partir de 18h

Local: Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo.

Autora: Jeanne de Castro

Editora: Tipografia Musical

Sobre a autora

Jeanne de Castro é jornalista e produtora cultural. Com mais de 20 anos de atuação, tem realizado projetos relevantes, especialmente em Música. Foi uma das produtoras do programa Brasil Toca Choro (TV Cultura, 2018) e sócia da casa de shows Tupi or not Tupi (2017-18). Produziu diversos CDs, entre eles Tia Amélia Para Sempre, com Hercules Gomes (Selo SESC 2020).