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Angelo Gilardino: compositor, musicólogo, professor e o “baú do Segovia”

Postado em Coluna Gilson Antunes em 02/02/2022

Angelo Gilardino: compositor, musicólogo, professor e o “baú do Segovia” - Foto Angelo Gilardino

(Angelo Gilardino)

Por Gilson Antunes

Um dos últimos representantes da era histórica do violão ligada ao nome de Andrés Segovia, o italiano Angelo Gilardino (1941-2022) morreu aos 80 anos em 14 de janeiro. Professor, concertista, musicólogo, revisor e, principalmente, compositor, Gilardino atravessou a segunda metade do século 20 e os vinte primeiros anos do século 21 como um nome de respeito entre seus pares. Dono de uma personalidade forte, já na era da internet não se esquivou de situações ou falas polêmicas através de discussões em fóruns e websites por todo o mundo, inclusive no Brasil.

Nascido em 1941 em Vercelli, ao noroeste da Itália, teve basicamente a mesma formação de seu compatriota Mauro Giuliani, tendo estudado violão, violoncelo e composição. Em 1958 iniciou-se nas atividades de concertista, que duraram até 1981, período áureo em que os nomes de Julian Bream, John Williams e Narciso Yepes se destacaram como “independentes” (em contraponto aos “discípulos” de Segovia, que na Itália teve como destaque principal o nome de Oscar Ghiglia, além do próprio Angelo Gilardino).

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Publicações

Em 1967 Gilardino foi convidado pela Editora Bèrben, de Ancona, para supervisionar uma das principais coleções de partituras para violão já lançadas, a “Collezione di Musiche Per Chitarra”. Obras como Sua Cosa op. 52 (John Duarte), 24 Caprichos de Goya (Mario Castelnuovo-Tedesco) e Music for Guitar(s) (Edward McGuire) são apenas algumas das dezenas lançadas por essa coleção. Para os brasileiros, o destaque recai naturalmente para os Estudos n.2 e n.3 de Camargo Guarnieri.

Ao todo, essas obras percorrem estilos diversificados, dando um panorama interessante de vertentes plurais nas quais o violão se serviu através de compositores de todo o mundo. Isso inclui, também, o nome do próprio Gilardino. Entre suas obras publicadas nessa coleção, a principal, sem dúvidas, é o caderno com os Studi di Virtuositá e di Trascendenza. O título – uma óbvia alusão a Franz Liszt – já demonstra o caráter e aplicação da composição, uma das poucas que adentraram o canon do repertório fora da Itália e do círculo do próprio compositor.

Composições

Para além da citada obra, Gilardino foi um prolífico compositor: sua obra compreende por volta de uma dezena de concertos com violão (solo ou com outros instrumentos), obras camerísticas para as mais diversas formações (violão e quarteto de violões, três violões, voz e violão, fagote e violão, violino e violão e muitas outras), obras para violão solo (Estrellas para Estarellas, Abreuana, Sonata del Guadalquivir, Colloquio con Andrés Segovia, etc), “pastiches” de compositores clássicos como Giuliani, Schubert e Sor, além de transcrições de obras de Stravinsky, Malats, Albéniz, Tarrega, Lecuona, Puccini e Schubert.

Angelo Gilardino: compositor, musicólogo, professor e o “baú do Segovia” - foto (Giuseppe Rosetta, Angelo Gilardino e Gabriel Estarellas, Vercelli, 1972)

(Giuseppe Rosetta, Angelo Gilardino e Gabriel Estarellas, Vercelli, 1972)

A maior parte dessa produção, apesar de extensa, não adentrou o canon repertório violonístico até o momento, mesmo tendo sido gravado por grandes violonistas contemporâneos. Porém, recentemente seu discípulo Cristiano Porqueddu lançou pelo selo Brilliant Records um box de luxo com 14 CDs compreendendo toda a música para violão solo composta por Gilardino entre 1965 e 2013. Outros violonistas que gravaram obras do compositor foram Gabriel Estarellas, Angelo Marchese, Alberto Mesirca, Giulio Tampalini, Christian Saggese, Luigi Attademo, Ermanno Brignolo, Marco de Santi, Aniello Desiderio, Andrea de Vitis, Tilman Hoppstock, Martha Masters, Lorenzo Micheli e Sanja Plohl.

Atividades didáticas

Após 1981, observando a dificuldade entre se manter um trabalho musicológico de qualidade, atividades como professor e uma carreira de concertista, Gilardino decidiu encerrar sua carreira como performer. Mesmo assim, em 23 anos de apresentações nos palcos o violonista estreou dezenas de obras, várias delas de sua própria coleção da Bèrben, muitas das quais tendo sido o dedicatário.

Como professor, suas atividades compreenderam anos de ensino em três bases principais: Vercelli (no Conservatório G. B. Viotti, entre 1965 e 1981), Alessandria (no Conservatório Antonio Vivaldi, entre 1981 e 2004) e em Biella (na Accademia Superiore Internazionale di Musica, entre 1984 e 2003), além de cursos e masterclasses por Festivais em toda a Europa. Para o auxílio em suas aulas, Gilardino escreveu livros sobre história do violão, livros de técnica violonística e vários artigos, além de biografias de Segovia e Castelnuovo-Tedesco.

O “baú do Segovia”

Entre suas principais contribuições musicológicas estão a descoberta e/ou finalização das Variazioni per chitarra de Ottorino Respighi, do Concerto para violão e orquestra de Boris Asafiev e da Hommage à Manuel de Falla de Alexandre Tansman, além da publicação da Sonata de Antonio Jose. Porém, seu nome ficará ligado principalmente – muito mais que pela coleção com seu nome na Bèrben – pelas 32 edições do The Andrés Segovia Archive, o famoso “baú do Segovia”. Essa coleção praticamente proporcionou um novo olhar para a história do repertório do instrumento no século 20, apresentando obras “renegadas” pelo violonista espanhol, algumas das quais tidas como perdidas, como a Sonatina de Cyril Scott.

Entre os compositores apresentados estão franceses - como Raymond Petit, Pierre de Breville, Henri Collet, Raymond Moulaert, Raoul Laparra, Pierre-Octave Ferroud e Ida Presti – e espanhóis – como Vicente Arregui, Pedro Sanjuán, Gaspar Cassadó, Padre Donostia, Jaume Pahissa e Federico Mompou – além de ingleses (Lennox Berkeley), italianos (Mario Castelnuovo-Tedesco, Elsa Olivieri Sangiacomo, Ettore Desderi, etc) e compositores de outras nacionalidades (Alexandre Tansman, Guillermo Uribe Holguin, etc). Gilardino acabou sendo apontado diretor da Fundação Andrés Segovia, em Linares, cargo que ocupou entre 1997 e 2005.

Prêmios

Nas últimas décadas de sua vida, Gilardino foi galardoado em inúmeras ocasiões, recebendo títulos na Itália, Espanha e nos Estados Unidos, onde adentrou o Hall da Fama do GFA (Guitar Foundation of America) com o prêmio pelo conjunto da obra. Sua morte, em 14 de janeiro de 2022, suscitou condolências de violonistas por todo o mundo.

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