Acervo divulga faixas do novo CD de Renato Braz e Maogani
A trilha sonora da bela parceria entre o cantor Renato Braz e o Quarteto Maogani encontra-se no CD Canela, que o Acervo Digital do Violão Brasileiro lança virtualmente nesta semana, antecipando duas faixas: Pajarillo Verde, um joropo do folclore venezuelano, e Julia Florida, de Agustin Barrios. Com lançamento oficial agendado para agosto, com shows no Rio de Janeiro e em São Paulo, o trabalho oferece um olhar brasileiro sobre canções de diversos países latino americanos. É um repertório de muitos matizes, cores e ritmos, tão profundo quanto pouco conhecido no Brasil. O instrumento que permeia este encontro é o violão, onipresente em seu papel de acompanhador principal da música popular de toda a América do Sul. Em cada país, em cada sotaque, em cada diferente gênero popular, o violão ganha uma sonoridade particular.
São diversos gêneros populares de riqueza rítmica, como o joropo venezuelano, o festejo peruano e o bambuco colombiano, até o lirismo contemporâneo argentino e a singeleza da canção chilena, passando por gêneros clássicos como o bolero e o tango. E tudo isso dialogando com a música brasileira atual. Os arranjos destacam canções acompanhadas ora por um único violão, ora pelos quatro violões (requinto, 6 cordas, 7 cordas e 8 cordas) do Quarteto Maogani, e até mesmo por cinco violões, em muitas combinações e texturas diferentes.
Além de Paulo Aragão, Carlos Chaves e Marcos Alves, o Maogani apresenta neste trabalho seu novo integrante: Sergio Valdeos, um dos mais renomados violonistas do Peru, especialista no repertório latino americano, tendo atuado por anos como diretor musical e arranjador da cantora Susana Baca. O disco ainda tem participação especial de Maurício Marques, violonista e compositor gaúcho, integrante do Maogani entre 2005 e 2012.
Renato Braz é um dos cantores mais importantes surgidos na última década no Brasil: com sua voz de timbre marcante, construiu uma carreira premiada que vem alcançando plateias do mundo inteiro. O Maogani é há 19 anos um dos grupos populares de câmara mais destacados no cenário brasileiro, desenvolvendo uma sonoridade muito característica em arranjos reconhecidos como dos mais criativos do violão brasileiro nos últimos tempos. O quarteto venceu o 26 Prêmio da Música Brasileira na categoria melhor Grupo Instrumental.
Ouça duas faixas do disco aqui
Repertório:
1) Pajarillo verde (tradicional) – joropo, Venezuela
2) La jardinera (Violeta Parra) – tonada, Chile
3) Julia Florida (Agostin Barrios) – barcarola, Paraguai
4) Oracion al remanso (Jorge Fandermole) – chamamé, Argentina
5) Lamento Esclavo (Eliseo Grenet) – danzón, Cuba
6) Bambuco em si menor (Adolfo Mejia) – Colômbia
7) Adios felicidad (Ela O'Farill) – bolero, Cuba
8) Canela (Jose Villalobos) – festejo, Peru
9) O som da madeira (Mauricio Marques e Adão Quevedo) – valsa, Brasil
10) Perricholi (L. Huambachano e E. Sanchez) – valsa, Peru
11) Calundu (Breno Ruiz e P.C. Pinheiro) – canção, Brasil
12) Milonga da espera (Mauricio Marques) – milonga, Brasil
13) Vuelvo al sur (Astor Piazzolla e Fernando Solanas) – tango, Argentina
Canela
(texto do encarte do disco)
A canela não é oriunda da América. Chegou a estas terras trazida por mercadores e viajantes, que cruzavam o continente do Pacífico ao Atlântico, da Terra do Fogo à Amazônia, levando e trazendo seus produtos, suas histórias, seus sotaques – e também suas canções. Com o tempo, a canela passou de rara especiaria estrangeira a item corriqueiro na culinária e na medicina dos povos americanos, somando-se aos mais diversos temperos e ajudando a proporcionar, em cada local, um sabor particular e único.
Na música as coisas aconteceram mais ou menos da mesma maneira. A música popular da América Latina foi construída com ingredientes de diversas procedências que, misturados às cores e ao jeito de cada povo, fizeram surgir uma infinidade de ritmos e gêneros. Este disco é fruto de um mergulho neste universo, que nos propiciou as mais prazerosas degustações musicais e algumas histórias que gostaríamos de compartilhar.
Foi no início dos anos 2000 que encontramos pela primeira vez o Renato Braz. A nova amizade virou música, e logo começamos a fazer shows juntos. Em um destes muitos shows, mostramos a ele uma música que adorávamos, a barcarola Julia Florida, do grande violonista paraguaio Agustín Barrios. Renato ficou vidrado nesta peça.
O tempo passou e, entre muitas viagens, fizemos em 2008 pela primeira vez uma pequena turnê pela América Latina. Até hoje nos recordamos do impacto que tivemos ao conhecer mais profundamente a música e os músicos da Colômbia, do Peru e do Equador (os países por onde passamos).
Em 2012, reencontramos o Renato para mais um show. Na adrenalina e concentração do camarim, pouco antes do início do espetáculo, o papo caiu na música latino-americana novamente. Contamos a ele da nossa viagem e da surpresa com a profundidade deste repertório, que é tão pouco conhecido no Brasil. Lembramos mais uma vez da Julia Florida e o Renato, revelando que sempre adorou cantar em espanhol, deu a ideia de fazer um disco, em parceria, dedicado a músicas de toda América Latina.
A partir deste momento, o projeto foi tomando forma em nossas conversas e encontros. Nos permitimos mergulhar na poesia popular latino-americana e nos deixamos levar pela intensidade das suas letras e pela diversidade das suas síncopes e melodias. E o repertório foi sendo definido. Naturalmente a Julia Florida foi a primeira escolhida.
Depois de alguns meses de trabalho, preparação dos arranjos e ensaios, resolvemos quase num impulso fazer as malas e ir gravar no Peru, para que o clima limenho acabasse de temperar a nossa música. Vivemos uma semana intensa de gravações e, entre piscos e ceviches, deixamos acontecer os imprevistos maravilhosos que a música permite…
Em um dos últimos ensaios antes da gravação começar, ainda buscávamos a melhor impostação para tocarmos Vuelvo Al Sur, clássico de Astor Piazzolla. Procurávamos uma conexão entre essa música e o Brasil, uma vez que iria ser impossível para nós fazê-la soar em seu idiomatismo portenho original. Foi quando, numa pausa para um cafezinho, escutamos o Mauricio tocando uma peça que compusera havia alguns anos, em uma sala de aeroporto, a Milonga da Espera. As duas peças se fundiram perfeitamente, como se a milonga tivesse sido composta para nos abrir as portas musicais do Piazzolla.
Já a gravação da Oración Del Remanso trouxe para Renato reminiscências de seus antepassados guaranis. Tínhamos planejado que esta canção seria acompanhada apenas pelo Sergio, mas justamente neste último ensaio o Mauricio começou a tocar junto e o resultado ficou sensacional. Assim, de forma meio improvisada, surgiu este encontro entre os dois violonistas que estavam sendo parte de uma nova transição no Maogani. Sergio estava voltando ao grupo que tinha deixado havia 14 anos, ao mesmo tempo em que a afinidade musical com Mauricio e a generosidade deste deixaram aberta a possibilidade de termos todos tocando juntos. Não por acaso, o disco tem algumas faixas em que o Maogani se transforma em um quinteto de violões.
O disco também permitiu a gravação de Canela, um festejo de José Villalobos, em um arranjo que o Sergio tinha feito antes de sua mudança para o Peru, em 1999, e que nunca tínhamos tocado. E de um maravilhoso presente que ganhamos no encontro com nossos amigos colombianos: um arranjo especialmente escrito para nós pelo grande violonista Carlos Guzmán para o Bambuco em Si Menor, de Adolfo Mejia.
A viagem a Lima trouxe surpresas até o último dia. Na noite antes da última sessão de gravações, decidimos sair para escutar um pouco de música peruana. Na peña “La Oficina” nos encantamos com a expressividade única da voz de Rosa Guzmán e imediatamente decidimos convidá-la a participar do disco, na faixa Lamento Esclavo, de Eliseo Grenet.
Nosso roteiro musical saiu do Brasil, e passou por Argentina, Chile, Paraguai, Peru, Colômbia, Venezuela e Cuba. Como em uma viagem, é apenas um dos milhares de caminhos possíveis. Desejamos que todos possam desfrutar deste encontro e que nós mesmos possamos ainda conhecer outros cantos por descobrir deste imenso continente musical.