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A obra de Tom Jobim com o senso harmônico apurado do violonista Conrado Paulino

Postado em Artigos em 12/12/2024

(Tom Jobim)

Por Alexandre Gismonti

(Especial para o Acervo Violão Brasileiro)

Conrado Paulino, violonista, compositor e arranjador natural de Buenos Aires, mas radicado no Brasil desde o final da década de 1970, nos brinda com seu mais recente disco intitulado Takes on Jobim. É curioso que a nacionalidade do músico jamais tenha prejudicado a sua relação com a música brasileira. Segundo o próprio Conrado, suas influências musicais sempre vieram da MPB, mesmo quando ainda vivia na Argentina, então criança. 

Numa entrevista para o Jornal O Tempo, de Belo Horizonte, realizada pela jornalista Ana Clara Brant, o músico declara: “Minha formação musical é toda brasileira”. Conrado ainda cita o lendário álbum Vinicius de Moraes en La Fusa – gravado ao vivo em Buenos Aires nos anos 70 – como o provável disco de música brasileira mais conhecido (e vendido) da história da Argentina. O músico destaca a importância desse álbum para a sua aproximação e cultivo de um verdadeiro amor pela música brasileira, pela bossa nova e, consequentemente, pela obra de Tom Jobim.

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Na década de 1980, quando já vivia no Brasil, Conrado desenvolveu trabalhos musicais com importantes artistas ligados à bossa nova, tais como Rosa Passos, Johnny Alf, Leny Andrade e Alaíde Costa. A lista de parcerias musicais com as quais dividiu o palco no Brasil e fora dele é extensa, incluindo nomes como Paulinho Nogueira, Nivaldo Nornelas, Marco Pereira, Amilton Godoy, Guinga,  Colin Bailey, Phil de Greg, John Stowell, Quique Sinesi, etc.

O legado musical de Conrado para a música brasileira também se faz presente na produção musical de vários de seus ex-alunos, tais como a dos compositores Chico César e Eduardo Gudin, dos guitarristas Nuno Mindelis e Fernando Corrêa e dos violonistas Camilo Carrara e Paola Pichersky.

Após cinco discos lançados sob os títulos Quarteto (2005), Noches del Museo (2008), Wrong Way (2011), Quatro Climas (2015) e A Canção Brasileira (2018), Conrado lançou em junho deste ano – quando se completam 30 anos do falecimento de Tom Jobim – o seu mais recente trabalho fonográfico intitulado Takes on Jobim.

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Esse disco apresenta 10 obras do maestro soberano arranjadas para violão solo das quais algumas delas ganham o reforço valioso de colegas de destaque no cenário nacional como Lea Freire (na flauta transversal), do percussionista Douglas Alonso e do contrabaixista Marinho Andreotti na execução dos arranjos.

A competência de Conrado em sintetizar as ideias musicais originais das obras de Jobim para violão solo é um dos destaques desse seu trabalho. Tal característica permeia todo o disco, mesmo nas faixas em que o violão “orquestral” de Conrado ganha contribuições valiosas da percussão de Douglas Alonso e Beto Angerosa, da bateria de Percio Sapia e Celso de Almeida, da flauta de Lea Freire, do baixo de Marinho Andreotti e do clarinete de Alexandre Ribeiro.

Conrado usa e abusa de técnicas especiais do violão, o que valoriza ainda mais a obra de Jobim, na medida em que a faz soar idiomaticamente no instrumento, o que pode ser considerado como o mais popular da música brasileira. Logo na faixa de abertura, Sem você (Tom Jobim & Vinicius de Moraes), Conrado cria uma textura que lembra uma harpa ao executar passagens melódicas e harmônicas em campanela – recurso técnico do violão que remete à sonoridade de sinos, canpanas em espanhol, sendo tocados ao mesmo tempo.

Seu arsenal de recursos técnicos é extenso e, na segunda faixa, Tema de Amor de Gabriela, Conrado explora os harmônicos naturais e artificiais do violão, fazendo expandir sobremaneira a tessitura desse instrumento, assim como faz enriquecer a sua gama de timbres.

Na clássica Garota de Ipanema (Tom Jobim & Vinicius de Moares), Conrado brinca no improviso ao fazer uma citação de Só Danço Samba, outra parceria de sucesso de Tom e Vinicius. O senso harmônico apurado de Conrado permite a ele realizar rearmonizações interessantes, as quais acrescentam – algo que poderia ser impensável – ideias harmônicas à obra já consagrada de Jobim, por suas nuances no âmbito da progressão e concatenação dos acordes, em outras palavras, pela sua sofisticação harmônica.

Um dos elementos mais destacados nesse contexto são as notas melódicas – apogiaturas e retardos – acrescentadas por Conrado na teia contrapontística dos seus arranjos, especialmente em sua versão para o clássico Dindi (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira). Os harmônicos naturais e artificiais reaparecem nesse arranjo, dessa vez como elemento de contraste, o que mostra um cuidado especial do artista também para com a forma musical em seus arranjos.

Em Olha Pro Céu, Conrado ganha a contribuição da percussão de Beto Angerosa e João Marcondes, mas surpreende ao apresentar um arranjo completo que, sem diminuir em nada a performance dos percussionistas, poderia funcionar muito bem como uma peça para violão solo. A fluência de ideias melódicas no improviso de Conrado também encanta.

Talvez o momento mais intenso do disco no âmbito coletivo aconteça em Vivo Sonhando: com um arranjo rico em contracantos e contrapontos, Lea Freire traz vivacidade a um disco marcado por várias interpretações líricas e reflexivas. É um momento sublime do disco, em que Conrado e seus parceiros musicais fazem emergir um Tom Jobim enérgico e vibrante.

Conrado mostra que também bebeu da escola flamenca da guitarra espanhola na introdução fervorosa rica em ornamentos e picados destacados, os quais acopla à melodia de Falando de Amor. A sua versão para A felicidade confirma uma competência rara para sintetizar tantas ideias originais na obra de Jobim de modo a convergirem para o formato singular, mas nada fácil, do violão solo. A firmeza e, ao mesmo tempo, a flexibilidade rítmica na execução instrumental de Conrado nessa faixa também encantam.

A dobradinha do clarinete de Alexandre Ribeiro com o violão de Conrado dá muitos frutos na contagiante Só danço samba. Chegando no fim da música, improvisos inspirados e um diálogo intenso entre ambos os músicos coroa outro clássico do repertório de Jobim.

Na faixa de encerramento do disco, Demais (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira), Conrado volta a mostrar a sua habilidade harmônica ao acrescentar ideias originais aos acordes já dissonantes de Jobim. E também retoma a técnica campenela com a qual havia iniciado o disco em sua faixa inaugural.

Com tantas contribuições à obra de Tom Jobim, tanto técnica quanto musicalmente falando, o disco Takes on Jobim surge como um provável marco na discografia musical brasileira. O violonista, compositor e arranjador Conrado Paulino mostra que veio ao Brasil para ficar e que a obra de Tom Jobim está mais viva do que nunca. Sortudos de nós, brasileiros, que ganhamos de presente um grande artista que veio enriquecer ainda mais o rol, já notório, dos grandes violonistas brasileiros

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