A obra de Tom Jobim com o senso harmônico apurado do violonista Conrado Paulino
(Tom Jobim)
Por Alexandre Gismonti
(Especial para o Acervo Violão Brasileiro)
Conrado Paulino, violonista, compositor e arranjador natural de Buenos Aires, mas radicado no Brasil desde o final da década de 1970, nos brinda com seu mais recente disco intitulado Takes on Jobim. É curioso que a nacionalidade do músico jamais tenha prejudicado a sua relação com a música brasileira. Segundo o próprio Conrado, suas influências musicais sempre vieram da MPB, mesmo quando ainda vivia na Argentina, então criança.
Numa entrevista para o Jornal O Tempo, de Belo Horizonte, realizada pela jornalista Ana Clara Brant, o músico declara: “Minha formação musical é toda brasileira”. Conrado ainda cita o lendário álbum Vinicius de Moraes en La Fusa – gravado ao vivo em Buenos Aires nos anos 70 – como o provável disco de música brasileira mais conhecido (e vendido) da história da Argentina. O músico destaca a importância desse álbum para a sua aproximação e cultivo de um verdadeiro amor pela música brasileira, pela bossa nova e, consequentemente, pela obra de Tom Jobim.
Na década de 1980, quando já vivia no Brasil, Conrado desenvolveu trabalhos musicais com importantes artistas ligados à bossa nova, tais como Rosa Passos, Johnny Alf, Leny Andrade e Alaíde Costa. A lista de parcerias musicais com as quais dividiu o palco no Brasil e fora dele é extensa, incluindo nomes como Paulinho Nogueira, Nivaldo Nornelas, Marco Pereira, Amilton Godoy, Guinga, Colin Bailey, Phil de Greg, John Stowell, Quique Sinesi, etc.
O legado musical de Conrado para a música brasileira também se faz presente na produção musical de vários de seus ex-alunos, tais como a dos compositores Chico César e Eduardo Gudin, dos guitarristas Nuno Mindelis e Fernando Corrêa e dos violonistas Camilo Carrara e Paola Pichersky.
Após cinco discos lançados sob os títulos Quarteto (2005), Noches del Museo (2008), Wrong Way (2011), Quatro Climas (2015) e A Canção Brasileira (2018), Conrado lançou em junho deste ano – quando se completam 30 anos do falecimento de Tom Jobim – o seu mais recente trabalho fonográfico intitulado Takes on Jobim.
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Esse disco apresenta 10 obras do maestro soberano arranjadas para violão solo das quais algumas delas ganham o reforço valioso de colegas de destaque no cenário nacional como Lea Freire (na flauta transversal), do percussionista Douglas Alonso e do contrabaixista Marinho Andreotti na execução dos arranjos.
A competência de Conrado em sintetizar as ideias musicais originais das obras de Jobim para violão solo é um dos destaques desse seu trabalho. Tal característica permeia todo o disco, mesmo nas faixas em que o violão “orquestral” de Conrado ganha contribuições valiosas da percussão de Douglas Alonso e Beto Angerosa, da bateria de Percio Sapia e Celso de Almeida, da flauta de Lea Freire, do baixo de Marinho Andreotti e do clarinete de Alexandre Ribeiro.
Conrado usa e abusa de técnicas especiais do violão, o que valoriza ainda mais a obra de Jobim, na medida em que a faz soar idiomaticamente no instrumento, o que pode ser considerado como o mais popular da música brasileira. Logo na faixa de abertura, Sem você (Tom Jobim & Vinicius de Moraes), Conrado cria uma textura que lembra uma harpa ao executar passagens melódicas e harmônicas em campanela – recurso técnico do violão que remete à sonoridade de sinos, canpanas em espanhol, sendo tocados ao mesmo tempo.
Seu arsenal de recursos técnicos é extenso e, na segunda faixa, Tema de Amor de Gabriela, Conrado explora os harmônicos naturais e artificiais do violão, fazendo expandir sobremaneira a tessitura desse instrumento, assim como faz enriquecer a sua gama de timbres.
Na clássica Garota de Ipanema (Tom Jobim & Vinicius de Moares), Conrado brinca no improviso ao fazer uma citação de Só Danço Samba, outra parceria de sucesso de Tom e Vinicius. O senso harmônico apurado de Conrado permite a ele realizar rearmonizações interessantes, as quais acrescentam – algo que poderia ser impensável – ideias harmônicas à obra já consagrada de Jobim, por suas nuances no âmbito da progressão e concatenação dos acordes, em outras palavras, pela sua sofisticação harmônica.
Um dos elementos mais destacados nesse contexto são as notas melódicas – apogiaturas e retardos – acrescentadas por Conrado na teia contrapontística dos seus arranjos, especialmente em sua versão para o clássico Dindi (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira). Os harmônicos naturais e artificiais reaparecem nesse arranjo, dessa vez como elemento de contraste, o que mostra um cuidado especial do artista também para com a forma musical em seus arranjos.
Em Olha Pro Céu, Conrado ganha a contribuição da percussão de Beto Angerosa e João Marcondes, mas surpreende ao apresentar um arranjo completo que, sem diminuir em nada a performance dos percussionistas, poderia funcionar muito bem como uma peça para violão solo. A fluência de ideias melódicas no improviso de Conrado também encanta.
Talvez o momento mais intenso do disco no âmbito coletivo aconteça em Vivo Sonhando: com um arranjo rico em contracantos e contrapontos, Lea Freire traz vivacidade a um disco marcado por várias interpretações líricas e reflexivas. É um momento sublime do disco, em que Conrado e seus parceiros musicais fazem emergir um Tom Jobim enérgico e vibrante.
Conrado mostra que também bebeu da escola flamenca da guitarra espanhola na introdução fervorosa rica em ornamentos e picados destacados, os quais acopla à melodia de Falando de Amor. A sua versão para A felicidade confirma uma competência rara para sintetizar tantas ideias originais na obra de Jobim de modo a convergirem para o formato singular, mas nada fácil, do violão solo. A firmeza e, ao mesmo tempo, a flexibilidade rítmica na execução instrumental de Conrado nessa faixa também encantam.
A dobradinha do clarinete de Alexandre Ribeiro com o violão de Conrado dá muitos frutos na contagiante Só danço samba. Chegando no fim da música, improvisos inspirados e um diálogo intenso entre ambos os músicos coroa outro clássico do repertório de Jobim.
Na faixa de encerramento do disco, Demais (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira), Conrado volta a mostrar a sua habilidade harmônica ao acrescentar ideias originais aos acordes já dissonantes de Jobim. E também retoma a técnica campenela com a qual havia iniciado o disco em sua faixa inaugural.
Com tantas contribuições à obra de Tom Jobim, tanto técnica quanto musicalmente falando, o disco Takes on Jobim surge como um provável marco na discografia musical brasileira. O violonista, compositor e arranjador Conrado Paulino mostra que veio ao Brasil para ficar e que a obra de Tom Jobim está mais viva do que nunca. Sortudos de nós, brasileiros, que ganhamos de presente um grande artista que veio enriquecer ainda mais o rol, já notório, dos grandes violonistas brasileiros