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A metodologia Suzuki para violão no Brasil – entrevista com o professor Daniel de Lima

Postado em Coluna Gilson Antunes em 17/03/2022

A metodologia Suzuki para violão no Brasil – entrevista com o professor Daniel de Lima - Foto: Daniel de Lima e seus alunos em apresentação no Sesc Chapecó

(Daniel de Lima e seus alunos em apresentação no Sesc Chapecó)

Por Gilson Antunes

O Brasil tem apresentado, há várias décadas, diferentes metodologias de ensino relacionadas ao violão. Iniciando com um provável ensino professor-aluno durante os séculos em que o instrumento trafegou pelo país nas mãos de interessados em geral, prosseguindo com a compra e venda de métodos clássicos a partir do século 19. E também com a chegada e difusão da “escola” de Tarrega nas primeiras décadas do Século 20 (especialmente com a vinda de Josefina Robledo – discípula do violonista – e através das revistas O Violão e A Voz do Violão no final da década de 1920 e início da década de 1930). E, claro, com a vinda de Isaías Sávio, os cursos dos Seminários Palestrina em Porto Alegre e aulas de grandes professores como Henrique Pinto, Jodacil Damaceno e vários outros por todo o Brasil.

A partir das décadas de 1970, 1980 e 1990 o violão entra nas universidades, resultando em grande número de jovens violonistas formados e em atuação, assim como o enorme avanço da musicologia violonística, revitalizando os textos sobre o instrumento em língua portuguesa.

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Mais atualmente a metodologia Suzuki vem ganhando terreno no Brasil, com número crescente de adeptos e de professores capacitados para esse ensino. O Acervo Digital do Violão Brasileiro conversou com o violonista e professor catarinense Daniel de Lima, um dos principais divulgadores da metodologia Suzuki no Brasil.

Além de professor de violão, Daniel exerce atividades como produtor cultural. Ele tem graduação pela EMBAP (Curitiba-PR) e mestrado pela University of Southern Mississipi (EUA). Apesar de possuir experiência como professor em universidades, decidiu priorizar suas atividades para o ensino de crianças e adultos iniciantes. Na esfera da metodologia Suzuki, foi também membro do Conselho de Diretores da Suzuki Association of the Americas, instituição que há 50 anos vem promovendo o ensino musical nas américas. Daniel tem canal no Youtube chamado “Aprendendo a Ensinar Violão” e em 2022 lançará um curso online destinado a professores de violão.

A metodologia Suzuki para violão no Brasil – entrevista com o professor Daniel de Lima - Foto: Os professores Daniel de Lima, MaryLou Roberts e o aluno Philippe Rodrigues

(Os professores Daniel de Lima, MaryLou Roberts e o aluno Philippe Rodrigues)

Nesta entrevista, realizada com exclusividade para o violonista, professor da Unicamp e colunista do Blog do Acervo, Gilson Antunes, Daniel fala sobre seu primeiro contato com a metodologia, suas produções de cursos com a grande professora MaryLou Roberts, no que consiste exatamente essa metodologia e seus planos para o desenvolvimento do método Suzuki no Brasil.

Acervo Violão Brasileiro - Como começou o seu interesse pela metodologia Suzuki e como se deu o seu contato com a professora MaryLou Roberts?

Há três anos eu havia voltado para o Brasil, depois de terminar o mestrado nos Estados Unidos, e eu estava dando aulas de violão para crianças e adolescentes numa escola de música em Chapecó (SC). Mas apesar de eu gostar de dar aulas, eu não estava tão satisfeito com o resultado do trabalho. Foi quando eu fiquei sabendo que teria, pela primeira vez no país, um curso de formação de professores Suzuki de violão. Nos festivais de música que eu havia participado até então, o foco sempre era na performance, especialmente de alunos intermediários e avançados. Eu assisti masterclasses de dezenas de excelentes professores, mas eles sempre ensinavam a estudantes que já tocavam há algum tempo. Nunca eram alunos que estavam no nível dos meus, e nunca era sobre como ensinar, mas sim sobre como tocar. Algo que me chamou atenção na formação Suzuki foi o foco na didática do instrumento. O primeiro curso que eu fiz era sobre como ensinar iniciantes e a MaryLou Roberts tem muita propriedade no assunto. Faz 40 anos que ela ensina violão, e apesar da sua agenda estar cheia de cursos de formação de professores, MaryLou ainda mantém uma classe com 30 alunos. Alguns deles começando agora, alguns que hoje já são adolescentes e estudam com ela há mais de uma década. A qualidade técnica e musical de toda a sua classe é bem consistente e eu fui estudar com a MaryLou para descobrir o porquê. Em 2014 foi a primeira vez que ela esteve no Brasil, e desde então todo ano eu tenho feito pelo menos um curso com ela. A partir de 2018 também comecei a produzir seus cursos aqui no Brasil.

Você poderia explicar aos leitores do que consiste essa metodologia e do que ela se difere das demais?

Eu diria que o grande diferencial do método Suzuki é o curso de formação de professores. As aulas são ministradas por docentes que, além de terem anos de experiência, conseguem excelentes resultados com seus alunos. Por conta da alta qualidade exigida para ser licenciado para ministrar um curso Suzuki, atualmente temos no mundo apenas 14 professores capacitadores em violão Suzuki. O repertório é progressivo e foi muito bem pensado. Ao todo, o método para violão tem 9 volumes, começando com Brilha Brilha Estrelinha e terminando com Asturias e as Variações Sobre um Tema de Mozart. Cada livro tem um curso específico em que os participantes aprendem o passo a passo para ensinar as músicas daquele livro. Apenas uma novidade técnica é introduzida por música, e isso facilita o aprendizado de crianças pequenas e adultos que tem pouco tempo para estudar. Além da parte técnica, são ensinadas estratégias para trabalhar com diferentes tipos de estudantes. Como ensinar postura aos jovenzinhos de maneira eficiente? De que forma a gente ensina fraseado, dinâmica e articulação para iniciantes? O que fazer para motivar o cidadão a estudar em casa? É sempre bom ter estratégias extras na manga, para quando alguma não funcionar com o aluno que está ali na tua frente. Os professores formadores também compartilham suas experiências sobre como montar um espaço para dar aulas, formas de divulgação, a estrutura da própria aula, o que falar para alguém que te procura e diz que quer tocar Stairway to Heaven, além de outras situações que podem aparecer. Como as aulas são ao vivo, os participantes costumam trazer várias perguntas e as discussões que surgem são bastante enriquecedoras.

A metodologia Suzuki para violão no Brasil – entrevista com o professor Daniel de Lima - Foto: MaryLou Roberts ministrando curso para professores de violão

(MaryLou Roberts ministrando curso para professores de violão)

A metodologia Suzuki para violão parece estar crescendo no Brasil, sendo você um dos responsáveis por isso. Como você vê esse crescimento em termos artísticos e mesmo em termos de mercado para professores de violão?

Como grande parte das escolas de música só aceitam alunos a partir dos 7 ou 8 anos, e no método Suzuki aprendemos a ensinar crianças desde os 3 anos, o público em potencial é muito maior. Então, aqueles que querem ensinar violão para crianças pequenas mal têm concorrência. Mas mesmo que o professor não queira ensinar crianças pequenas, tem outro mercado que pode ser mais bem explorado, já que as estratégias do método Suzuki também funcionam com adultos iniciantes. Muita gente desiste do violão porque acha difícil. E eu tenho que concordar com eles, já que é bem comum um professor ensinar acordes já desde a primeira aula. Apesar de alguns até conseguirem aprender assim, a maioria acaba desistindo. Eu tenho usado a abordagem do método Suzuki com meus alunos adultos e tem dado muito certo. Como o conteúdo é dividido em passos bem pequenos, até mesmo quem tem a vida agitada e pouco tempo para estudar consegue evoluir um pouco toda semana. É muito mais fácil lotar a agenda com estudantes com esse perfil do que com os prodígios que praticamente não existem. Com relação à parte artística, as possibilidades são enormes. Meus alunos e eu já tocamos de abertura de palestra do Augusto Cury a abertura de luta de boxe, em cima do ringue. Já tocamos em festival universitário de música, concorrendo com grupos amadores de vários estilos de música popular, e ainda ficamos com o primeiro prêmio. Quanto mais a gente toca, mais as pessoas têm a oportunidade de ouvir música instrumental, e mais a gente se diverte tocando. Todo mundo ganha. E podemos ir ainda mais longe. Aqui com meus alunos, já aprovamos vários projetos culturais. Um deles foi para a gravação de um EP e dois videoclipes com um quarteto formado por uma enfermeira, um engenheiro civil, um engenheiro de controle e automação e eu. Inclusive, esse projeto teve direção musical do grande professor Orlando Fraga. No ano passado, dois alunos tiveram projetos aprovados, e cada um produziu uma série de vídeos de violão solo. Essas ações ajudam muito a divulgar o violão clássico localmente, além de dar aos alunos um gostinho de como é realizar um projeto profissional.

Nos cursos da MaryLou Roberts nós observamos a participação como ouvinte de importantes nomes do violão como o Breno Chaves e Rodrigo Uchima. Você poderia citar outros professores ao redor do Brasil que demonstram interesse e estão trabalhando essa metodologia para o violão?

O Rodrigo Uchima, inclusive, participou do último curso de formação com a MaryLou Roberts. Outros nomes que já tiveram aula com ela incluem Fabio Adour, Max Riccio, Alberto Guedes e Alexandre Ribeiro. Também tem os brasileiros que moram em outros países, como João Kouyoumdjian (Estados Unidos), André Rodrigues (Canadá) e o Jean Barcelos (Alemanha). Vários professores têm acompanhado as masterclasses da MaryLou, entre eles Cristina Tourinho, Marcelo Brazil, Maria Haro e Bruno Madeira. Desde que começamos a promover os cursos online, ficou muito mais fácil para assistir uma masterclass do método Suzuki, e acredito que isso tem ajudado a aumentar o interesse nessa metodologia.

Você promove as Semanas Suzuki de Violão, visando capacitar professores para essa metodologia. Qual balanço você faz desses encontros até o momento?

Desde 2018 já promovemos nove cursos de violão Suzuki, sendo que os primeiros seis foram presenciais, e desde 2021 migramos para a versão online. Mesmo quando os eventos eram aqui em Chapecó, vinha gente de todo o Brasil estudar com a MaryLou. Quando os cursos começaram a ser oferecidos online, a diversidade geográfica foi ampliada ainda mais, contando com músicos até de outros países. Até agora tivemos 46 participantes, de 13 estados brasileiros, além da Alemanha e do Canadá. Nas masterclasses, que é possível assistir como aluno ouvinte, já tivemos a presença de mais de uma centena de participantes de todo o Brasil, além do Paraguai, Estados Unidos, Portugal, Itália e Inglaterra. O perfil dos professores que estudaram com MaryLou é bem variado. Enquanto alguns estavam prestes a começar a graduação em violão, outros já eram doutores em música. Alguns têm experiência em música popular, outros são concertistas de música clássica. Tem quem trabalhe na educação infantil, em escolas de ensino regular, projetos sociais, e mesmo quem trabalhe em programas de pós-graduação em universidades. Essa diversidade de experiências é muito rica. Nos eventos presenciais a gente aprende muito com os colegas nos intervalos, almoços e cafés. Para não perdermos isso na versão online, 30 minutos antes de começar as aulas é aberta a “sala do café”, que é uma reunião feita basicamente para jogar conversa fora. Muito útil, por sinal. Um ponto interessante sobre os professores é que, ao parar para refletir sobre a técnica que vão ensinar para as crianças, eles também reavaliam sua própria técnica. Mesmo quem já toca muito bem e está na estrada há um bom tempo consegue ajustar algo aqui ou ali com as sugestões da MaryLou.

A metodologia Suzuki para violão no Brasil – entrevista com o professor Daniel de Lima - Foto: Daniel de Lima em sala de aula

(Daniel de Lima em sala de aula)

Você divulga essa metodologia através de diversas frentes, como os recitais DiMinutos e cursos com a própria MaryLou Roberts. Quais são os seus planos futuros para a expansão dessa metodologia no Brasil?

Recitais DiMinutos é uma série de apresentações online que acontecem ao vivo pelo YouTube e tem duração de 5 a 10 minutos. A ideia principal é colocar os alunos para tocar, sentindo aquela saudosa emoção de tocar ao vivo e poder compartilhar sua música com amigos e parentes que moram longe. Acaba que isso também funciona como uma vitrine para o método Suzuki e para o meu trabalho como professor. Esse ano devemos promover masterclasses online de professores que trabalham com alunos iniciantes, tanto do método Suzuki quanto de outros métodos. Como a agenda da MaryLou está bem apertada, dificilmente abriremos turma nova esse ano, mas é bem possível que tenhamos alguma masterclass com ela em breve. Outro projeto que devo investir mais tempo a partir de agora é o curso online para professores de violão. Quero compartilhar a minha própria experiência e falar como eu uso o que aprendi, tanto no método Suzuki quanto em outras fontes. Nos últimos anos eu tenho me dedicado a entender como as pessoas aprendem e o que funciona em cada situação. Ainda no primeiro semestre de 2022 devo lançar o curso “Aprendendo a Ensinar Violão”.

Contatos Daniel de Lima:

Site: danieldelima.com.br
Instagram: @daniel.de.lim

 

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